Há noites em que o futebol parece obedecer a uma lógica própria, guiada menos por tática e estatística e mais por uma corrente invisível de crença, emoção e pertencimento. No Mangueirão lotado e vibrante, cada bandeira, cada canto e cada passo do ônibus azulino pareciam anunciar que aquele domingo (23) estava destinado a entrar para a história da cidade. Em Belém, o futebol não é apenas jogo: é ritual, é identidade, é território afetivo. E foi nesse ambiente quase litúrgico que o Clube do Remo escreveu um dos capítulos mais emocionantes de sua trajetória recente, ao vencer o Goiás por 3 a 1 de virada e garantir o retorno à Série A do Campeonato Brasileiro.
A COLETICA QUE COMEÇOU ANTES DAS PERGUNTAS
A entrevista coletiva de Guto Ferreira foi interrompida antes mesmo da primeira pergunta. Bastou o técnico aparecer diante dos repórteres para que a sala se transformasse numa extensão da arquibancada - aplausos, gritos, brincadeiras e até instabilidade na conexão acompanharam os primeiros segundos. Era a festa que insistia em invadir o profissionalismo. Uma porta se abriu e um grupo de jogadores entrou para dar o tradicional banho de água gelada no comandante, após uma grande conquista.
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E Guto, com o semblante ainda tomado pela emoção da vitória, fez da sua primeira fala um gesto de gratidão. Completamente molhado, agradeceu a assessora de imprensa Samara Miranda, estendeu o reconhecimento "do mais humilde até o presidente", lembrou dos colegas de profissão que passaram antes dele e deixou claro que o acesso "não é de um treinador, é de um processo".
"Quem andou em passos firmes foram eles", disse, apontando para o grupo de atletas que, pouco depois, invadiria a coletiva para completar o banho gelado que já era tradição nos bastidores do vestiário.
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O GOL SOFRIDO, A VIRADA E A ESTRANHA PREMONIÇÃO
Quando as perguntas finalmente começaram, Guto voltou ao jogo - e ao susto inicial. "Nós tivemos a infelicidade de sofrer o gol talvez no primeiro ataque. Um erro de posicionamento", analisou.
Mas o ponto alto da resposta foi a revelação de que, mesmo após o 1 a 0, ele carregava uma sensação irremovível de que o Remo viraria a partida. E mais: que o placar seria exatamente 3 a 1. "É fácil falar agora. Mas eu tinha isso dentro de mim. Quando saiu o terceiro gol, eu não sabia para onde ir. Só agradecia", contou, em tom de quem revive mentalmente cada lance, cada vibração, cada explosão da arquibancada.
Esse componente emocional, segundo o técnico, foi determinante. O elenco não abaixou a cabeça. Guto lembra que chegou a gritar com os atletas após o gol sofrido, mas eles mal o ouviam: a resposta vinha de dentro deles. O empate de Pedro Rocha, “no apagar das luzes do primeiro tempo”, foi descrito como o gol que mudou o destino do jogo: "um gol importantíssimo", que devolveu confiança e acendeu o Mangueirão.
AS TROCAS, O DESGASTE E OS SOLDADOS DA VIRADA
No intervalo, Cantillo deixou o campo com cãibra. Não era ideal, mas era compreensível: o volante vinha de um processo gradual de retomada física. Foi substituído por Pavani, que recebeu elogios rasgados de Guto pela atuação madura.
"O Pavani entrou muito bem, e isso mostra que cada um que entrou lá dentro procurou entregar o seu melhor a cada jogo. Eles são os grandes responsáveis por esse resultado", disse o técnico, sublinhando uma característica que considera central na campanha: a entrega coletiva. De acordo com ele, "cada peça que entrou fez o seu máximo", e a soma dessas pequenas contribuições construiu a grande obra que é o acesso.
A TORCIDA COMO COMBUSTÍVEL E O "DOPING" DO ÔNIBUS
Se houve um momento em que Guto mais se emocionou na coletiva, foi ao falar da chegada ao estádio. O treinador comparou a explosão do Mangueirão ao episódio vivido no Bahia em 2017, quando a torcida invadiu a ladeira e fez o elenco caminhar 200 metros no meio da multidão. "Lá foi muito intenso. Mas hoje… superou."
O técnico chamou a recepção da torcida de "doping dentro do ônibus". E completou: "Com essa torcida, não tinha como perder o jogo". Guto descreveu a energia azulina como algo que empurra, que sustenta, que dá sentido ao esforço coletivo. Um tipo de força simbólica que transcende o futebol e se torna um pacto emocional entre arquibancada e gramado.
UMA CONQUISTA DE TODA A NAÇÃO AZULINA
Ao encerrar, Guto repetiu o mantra que o acompanhou desde a chegada ao Remo: humildade, coletividade e entrega. "Agradeço aos atletas, à comissão, ao staff, à direção. Isso é conquista de todos. De toda a nação Fenômeno Azul."
O acesso estava consumado. A virada estava eternizada. E, no Mangueirão, a tarde/noite em que fé, foco e festa se encontraram virou história - daquelas que os torcedores vão contar por muitos anos, sempre começando com a mesma frase: "Eu estava lá naquele 3 a 1."
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