
Desde os tempos da proclamação da República, em 1889, golpes militares, intervenções e rupturas institucionais deixaram marcas profundas na trajetória democrática do país — muitas vezes contornadas por anistias e acordos de bastidores em nome de uma suposta "pacificação nacional". No entanto, o país assiste agora a um momento inédito de responsabilização penal de oficiais da mais alta patente, em pleno exercício das instituições democráticas.
Pela primeira vez na história, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou militares de quatro estrelas — o mais alto posto das Forças Armadas — por tentativa de golpe de Estado e outros crimes cometidos no contexto das eleições de 2022 e da intentona golpista que se seguiu. Ao todo, as penas aplicadas somam 91 anos e 6 meses de prisão, além de multas que chegam a R$ 555 mil.
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Entre os condenados estão figuras centrais do governo de Jair Bolsonaro: os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto, além do almirante Almir Garnier Santos. Eles foram responsabilizados por cinco crimes, incluindo organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Confira as penas aplicadas:
- Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil): 26 anos e 6 meses
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa): 20 anos
- Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha): 24 anos
- Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional): 21 anos
O general Braga Netto, tido como um dos articuladores centrais da tentativa de ruptura, recebeu a segunda maior pena, atrás apenas do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi condenado a 27 anos e 3 meses. Segundo o STF, Bolsonaro liderava a organização criminosa voltada à derrubada da ordem democrática.
Com a condenação, abre-se a possibilidade de que os militares percam posto e patente, como prevê o artigo 142 da Constituição Federal. A regra é clara: qualquer militar condenado na Justiça comum a mais de dois anos de prisão pode perder sua posição caso seja considerado indigno do oficialato por decisão de tribunal militar permanente.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, já determinou o envio de ofício ao Superior Tribunal Militar (STM) e aos comandos do Exército e da Aeronáutica para que analisem a situação dos condenados.
Caso o STM considere que os oficiais não são mais compatíveis com os valores das Forças Armadas, eles poderão perder suas patentes — o que implica perda de salários e benefícios. Nessa situação, os rendimentos poderiam ser convertidos em pensão para cônjuge ou filhos menores.
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Outros condenados
Além dos militares de alta patente, o STF também condenou:
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça): 24 anos de prisão
- Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin e deputado federal pelo PL-RJ): 16 anos e 1 mês
- Mauro Cid (tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro): pena reduzida por acordo de delação premiada
Cid foi considerado peça-chave na engrenagem do suposto plano golpista, mas teve a pena atenuada por colaborar com as investigações.
Condenação rompe tradição de impunidade
Para historiadores ouvidos pelo UOL, o julgamento representa um marco inédito na história institucional do Brasil. Até hoje, todas as tentativas de golpe de Estado foram contornadas com anistias, acordos políticos ou punições internas e administrativas, longe do alcance da Justiça comum.
Segundo os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que compuseram a maioria do julgamento, condenar os envolvidos é essencial para evitar novos ataques às instituições democráticas. Durante seu voto, a ministra Cármen Lúcia foi enfática:
"Se, no golpismo, quem atenta ao Estado democrático de Direito não é condenado, incentivam-se novas tentativas", afirmou.
O julgamento representa não apenas a aplicação da lei, mas também um recado direto a eventuais aspirantes a novas rupturas institucionais: a democracia brasileira, apesar dos sobressaltos, está disposta a se defender.
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