
Em decisão histórica, o governo de Israel aprovou, nesta quinta-feira (9), o acordo assinado com o grupo terrorista Hamas para encerrar, após dois anos e dois dias, a guerra na Faixa de Gaza. Mais cedo, a facção palestina havia dito ter recebido garantias dos Estados Unidos e dos mediadores Turquia, Qatar e Egito de que o conflito oficialmente acabou.
Falando na reunião de gabinete que ratificou o acordo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que o país está prestes a conseguir o retorno dos reféns ainda em poder do Hamas. "Lutamos por dois anos para atingir nossos objetivos de guerra", afirmou o premiê, em inglês, ao lado de Steve Witkoff e Jared Kushner, enviados do presidente Donald Trump que participaram da reunião. "Um desses objetivos era a volta dos reféns, todos eles, vivos e mortos. E estamos prestes a atingir esse objetivo."
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A reunião contou com a presença de todos os ministros do governo Netanyahu e durou horas, se estendendo até a madrugada no horário local. A aprovação do gabinete era a última etapa necessária para que o acordo entrasse em vigor —com isso, o cessar-fogo tem início imediato e as tropas israelenses devem começar seu primeiro recuo, movimentação que tem prazo de 24 horas para acontecer.
Em seguida, assim que os soldados se retirarem, o Hamas tem 72 horas para entregar todos os reféns israelenses que estão no território. A expectativa levantada por Trump é de que os primeiros cheguem em Israel no sábado.
Não há clareza se os corpos dos reféns mortos também serão recuperados no mesmo período, e Trump disse na quinta que pode haver dificuldade de devolver alguns dos cadáveres. Durante esses três dias, o Hamas e Tel Aviv precisam ainda negociar a lista de prisioneiros palestinos que serão libertados por Israel —a facção aifrma que todas as mulheres e crianças presas serão soltas.
O Exército israelense afirmou, em comunicado, que já iniciou "preparações operacionais" para a primeira fase do acordo, quando os soldados recuarão a uma linha intermediária, mas não deixarão Gaza por completo. Hoje, as Forças Armadas de Israel controlam mais de 70% do território —ao final da retirada, devem ter domínio de somente 53%, tendo saído também dos principais centros urbanos.
Um recuo mais amplo deve acontecer apenas após o estabelecimento de uma força internacional transitória de estabilização do território palestino. Na quinta, autoridades americanas disseram à agência de notícias Reuters que o governo Trump vai enviar 200 soldados a Israel para auxiliar na estabilização de Gaza, mas que os americanos não vão entrar no território palestino.
Com todas as fases do acordo concluídas, Israel ainda manterá uma zona-tampão por todo o perímetro de Gaza, inclusive no chamado corredor Filadélfia, área no sul do território palestino que vai da costa até o território israelense.
Ou seja, na prática, a previsão é de que Tel Aviv mantenha o controle da fronteira de Gaza com o Egito, ainda que o plano do presidente americano proponha a entrada de ajuda humanitária no território palestino sem interferências —cerca de 150 caminhões de suprimentos já estão a caminho da fronteira sul do território, e a expectativa é que eles possam entrar assim que os soldados israelenses se retirem.
Outro ponto ainda sem resolução, e que ameaça derrubar o acordo em próximas fases, é o desarmamento do Hamas. O grupo disse que não aceitará entregar suas armas, enquanto o governo israelense definiu como objetivo de guerra a desmilitarização do território e o presidente americano promete que isso vai acontecer nas próximas etapas de negociações.
Especialistas israelenses ouvidos pela reportagem apontam que Tel Aviv pode ter que aceitar um desarmamento parcial, assim como o Hamas terá que aceitar uma retirada parcial de tropas israelenses de Gaza. Também pode ser necessário flexibilizar a exigência de que o grupo terrorista não tenha qualquer papel no governo do território quando a guerra terminar.
Ainda assim, Netanyahu sofre pressão externa e interna para não violar o acordo, a começar pelo próprio presidente americano, que aumentou a cobrança sobre o israelense depois que Tel Aviv atacou a liderança do Hamas no Qatar.
"Esse foi o maior erro estratégico cometido por Netanyahu desde o 7 de Outubro", disse à Folha João Koatz Miragaya, mestre em história pela Universidade de Tel-Aviv e assessor do Instituto Brasil-Israel. "Netanyahu quis dar uma resposta para sua base de que ele poderia fazer o que bem entendesse no Oriente Médio. acabou sendo obrigado a se desculpar pelo ataque ao Qatar e a aceitar um cessar-fogo contra a sua vontade", avalia Miragaya.
Internamente, Netanyahu tenta colher créditos pelo fim de uma guerra que ele próprio estendeu além do que a sociedade israelense parece suportar: poucos meses após o mega-ataque terrorista do Hamas, que deixou 1.200 mortos e deu início ao conflito, Netanyahu passou a ser duramente cobrado por críticos e familiares de reféns pela demora no retorno dos sequestrados —dos 251 levados pela facção, 50 ainda estão em Gaza, e apenas 20 deles supostamente vivos. Em Gaza, mais de 67 mil palestinos morreram nos dois anos de guerra, segundo o Ministério da Saúde do território, controlado pelo Hamas.
A percepção generalizada entre críticos do prolongamento do conflito é que Netanyahu o fez colocando interesses políticos pessoais acima da população. Antes do ataque do Hamas, Netanyahu era alvo de protestos massivos contra uma reforma judicial controversa que retirava poderes do Judiciário em meio a investigações criminais contra ele por corrupção.
Seu gabinete, o mais à direita desde a criação do Estado judeu, tem integrantes da extrema direita nacionalista que sustentam a coalizão governista e são contrários a um acordo que termine a guerra sem a destruição completa do Hamas —Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional) falam ainda abertamente na anexação dos territórios e expulsão dos palestinos de lá.
Por isso, o fim do conflito em termos que não agradam a ala mais extremista do governo pode se transformar em um novo desafio para que Netanyahu, que perde com o fim da guerra o principal elemento para desviar o holofote das críticas, mantenha-se no poder. Antes da reunião, Smotrich, por exemplo, adiantou que não votaria a favor do acordo de paz, e Ben-Gvir disse que derrubaria o governo se o Hamas não for desmantelado.
Na quinta, Netanyahu voltou a defender que o presidente americano Donald Trump deveria ganhar o Prêmio Nobel da Paz pelo esforço para o fim do conflito. O perfil do gabinete do premiê publicou montagem em que Trump aparece com um grande colar com a medalha da láurea ao lado do primeiro-ministro.
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De acordo com o gabinete, Netanyahu e Trump conversaram por telefone após o anúncio do republicano de que um acordo havia sido alcançado. "Foi uma conversa calorosa e emotiva e os dois líderes se parabenizaram por esta conquista histórica", disse a porta-voz do governo israelense Shosh Bedrosian. O americano é esperado em Jerusalém no próximo domingo.
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