
Num momento em que os impactos das redes sociais sobre o bem-estar de crianças e adolescentes ganham cada vez mais atenção da sociedade e dos órgãos públicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta segunda-feira uma nova legislação que promete mudar a forma como plataformas digitais operam no Brasil. Trata-se do chamado "ECA Digital" — uma atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente voltada especialmente para o ambiente virtual.
A nova lei representa uma tentativa de conter a adultização precoce, o acesso a conteúdos nocivos e a exposição de menores a riscos no meio digital. E, mais do que isso, marca uma postura firme do Estado brasileiro em afirmar que as grandes plataformas tecnológicas também devem obedecer às leis nacionais, independentemente de onde estejam sediadas ou do poder econômico que possuem.
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Ao sancionar o texto, Lula também reduziu pela metade o prazo para que a lei entre em vigor. As big techs — como Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Google (YouTube) e TikTok — terão agora apenas 6 meses para se adequar às novas exigências. Antes, o prazo previsto era de 12 meses.
Além disso, o presidente assinou uma medida provisória criando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e do Ambiente Digital, uma espécie de órgão regulador autônomo que será responsável por fiscalizar o cumprimento da nova legislação e aplicar eventuais sanções.
“As redes digitais não estão e não podem estar acima da lei. É um equívoco acreditar que as big techs, algum dia, tomarão a iniciativa de se autorregular. Esse equívoco já custou a vida de várias crianças e adolescentes”, declarou Lula, ao comentar os impactos trágicos de conteúdos violentos e desafiadores disseminados online.
A nova legislação estabelece uma série de obrigações legais e técnicas para plataformas digitais, com o objetivo de proteger crianças e adolescentes que acessam redes sociais, jogos eletrônicos e outros espaços virtuais.
Verificação de idade e contas vinculadas
Uma das principais mudanças está na obrigatoriedade de verificar a idade real dos usuários. A partir de agora, plataformas deverão:
- Vincular contas de menores de 16 anos a um responsável legal;
- Criar mecanismos robustos e contínuos de verificação de idade, que não se limitem à simples autodeclaração (“Sim, tenho mais de 18 anos”);
- Bloquear alterações de configuração caso a conta de um menor não esteja corretamente vinculada a um responsável.
No entanto, a verificação de idade continua sendo um desafio técnico e ético. O uso de documentos ou biometria pode esbarrar em questões de privacidade e exclusão digital, enquanto o uso de algoritmos estimativos de idade levanta preocupações sobre transparência, erros e possíveis discriminações.
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Controle parental por padrão
A lei exige que as plataformas digitais:
- Disponibilizem ferramentas de controle parental acessíveis;
- Configurem essas ferramentas por padrão no modo mais protetivo;
- Garantam acesso total dos pais ou responsáveis ao conteúdo e à atividade das contas de menores;
- Notifiquem os responsáveis caso adultos tentem se comunicar com uma criança.
Design contra vício e consumo excessivo
A proposta também prevê mudanças no design das plataformas, com foco em reduzir o tempo de tela e o consumo excessivo de conteúdo. As medidas incluem:
- Desabilitar a reprodução automática de vídeos;
- Proibir recompensas ligadas ao tempo de uso (como “badges” ou moedas virtuais);
- Incentivar práticas que respeitem o tempo, a saúde e o desenvolvimento das crianças.
Fim das "loot boxes" para menores
Jogos eletrônicos que envolvem prêmios aleatórios — as chamadas “loot boxes” — ficam proibidos para crianças e adolescentes. A justificativa é que esses mecanismos se assemelham a práticas de jogos de azar, podendo estimular compulsividade e gastos descontrolados.
Supervisão e denúncia em jogos online
Jogos com interação entre usuários devem incluir:
- Sistemas de denúncia de abusos ou assédio;
- Opções para que pais desabilitem chats ou mensagens privadas;
- Respeito à classificação indicativa etária.
Além disso, embalagens de eletrônicos que acessam a internet, como celulares, tablets e consoles, devem conter informações em português alertando sobre riscos de conteúdo impróprio.
Fim da publicidade direcionada para menores
A lei proíbe o uso de dados de menores para:
- Criar perfis comportamentais;
- Fazer análise emocional;
- Exibir publicidade direcionada ou manipulativa.
Com isso, crianças e adolescentes não poderão mais ser “alvo comercial” em momentos de vulnerabilidade emocional — como quando estão tristes, ansiosos ou entediados — uma prática denunciada em investigações internacionais sobre o impacto das redes sociais.
O Brasil passa a alinhar-se a legislações semelhantes já adotadas em países da União Europeia.
Importante: os dados usados para verificar a idade só podem ser utilizados para esse fim — vedando sua reutilização para publicidade ou outras finalidades comerciais.
Multas pesadas e sanções para as big techs
As empresas que descumprirem as novas regras estarão sujeitas a:
- Multas de até R$ 50 milhões por infração, ou até 10% do faturamento;
- Suspensão parcial ou total das atividades no Brasil, nos casos mais graves.
A fiscalização e aplicação dessas sanções ficará a cargo da nova autoridade administrativa autônoma, batizada de Autoridade Nacional de Proteção de Dados e do Ambiente Digital, que atuará como um “xerife” do ambiente online para garantir o cumprimento do ECA Digital.
O valor arrecadado com as multas será destinado ao Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O que motivou a criação do ECA Digital?
O projeto de lei ganhou força no Congresso após a repercussão de denúncias feitas por influenciadores e especialistas, como Felca, que alertaram sobre a crescente exposição de crianças a conteúdos sexualizados, violentos ou impróprios nas redes sociais.
A tramitação acelerada do projeto foi justificada pela urgência de proteger uma geração cada vez mais conectada — e cada vez mais vulnerável — à lógica comercial e aos algoritmos que governam o universo digital.
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