
Há episódios em que o debate público ultrapassa os limites do aceitável e se transforma em palco de agressões que miram mais do que ideias: atingem pessoas, principalmente mulheres, com ofensas que evocam preconceitos estruturais. Em um ambiente ainda marcado por desigualdades, o que deveria ser um espaço de diálogo e construção coletiva acaba se tornando mais uma arena de resistência para quem ocupa cargos de poder sendo mulher - e, especialmente, sendo mulher negra.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, deixou uma audiência da Comissão de Infraestrutura do Senado na última terça-feira (27) após ser alvo de falas consideradas machistas e ofensivas por parte de senadores. Convidada para prestar esclarecimentos sobre a criação de áreas de conservação na região Norte, Marina foi atacada logo na abertura da sessão pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que afirmou desejar "separar a mulher da ministra", pois "a mulher merecia respeito, a ministra não".
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A ministra reagiu imediatamente e exigiu um pedido de desculpas. "Se, como ministra, ele não me respeita, vou me retirar", afirmou, antes de deixar a sessão após a recusa do senador em se retratar. Este, no entanto, não foi o primeiro episódio envolvendo o parlamentar: em março, Plínio já havia sugerido, em tom agressivo, que “tolerar Marina por seis horas sem enforcá-la” era um desafio.
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A sessão também foi marcada por embates com o presidente da comissão, Marcos Rogério (PL-RO), que interrompeu a ministra e chegou a dizer que ela deveria "se pôr no seu lugar". Marina rebateu: "Eu tenho educação, sim. O que o senhor gostaria é que eu fosse uma mulher submissa. Eu não sou. Eu vou falar”.
MINISTRA RECEBE APOIO DE PARLAMENTARES E JANJA
Apesar da tentativa de Rogério de se justificar, dizendo que se referia à posição institucional da ministra, a fala foi duramente criticada por colegas, como a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que acusou o presidente da comissão de machismo, enquanto o líder do PT, Rogério Carvalho, reforçou o apoio à decisão de Marina de se retirar da sessão.
A primeira-dama Janja da Silva também se pronunciou: "Impossível não ficar indignada com os desrespeitos sofridos pela ministra Marina Silva durante sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado", escreveu Janja no Instagram. "Sua bravura nos inspira e sua trajetória nos orgulha imensamente. Uma mulher reconhecida mundialmente por sua atuação com relação à preservação ambiental jamais se curvará à um bando de misóginos que não têm a decência de encarar uma Ministra da sua grandeza", ressaltou.
MINISTRAS APONTAM MISOGINIA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Ministras do governo também prestaram solidariedade. Márcia Lopes (Mulheres) classificou o episódio como grave e misógino. "Toda a minha solidariedade e apoio à Marina Silva, liderança política respeitada e uma referência em todo o mundo na pauta do meio ambiente. É preciso que haja retratação do que foi dito naquele espaço e que haja responsabilização para que isso não se repita", afirmou Lopes por meio de nota oficial.
A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) apontou que Marina foi vítima de violência política de gênero e raça: "Marina Silva é minha amiga, minha referência. Hoje, ela foi desrespeitada, interrompida, silenciada, atacada no Senado enquanto exercia sua função como Ministra do Meio Ambiente", destacou. "A violência política de gênero e raça tenta nos calar todos os dias."
MEDIDAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Marina foi convocada a partir de requerimento do senador Lucas Barreto (PSD-AP) para prestar esclarecimentos sobre a criação de áreas de conservação na região Norte, especialmente na Margem Equatorial - onde a Petrobras busca explorar petróleo.
A ministra defendeu que o processo técnico conduzido pelo Ibama não foi criado para inviabilizar empreendimentos, mas para garantir que decisões sigam critérios ambientais rigorosos. "A unidade de conservação não incide sobre os blocos de petróleo. E não foi inventada agora para inviabilizar a Margem Equatorial. Isso é um processo que vem desde 2005", declarou.
ASFALTAMENTO DA BR-319 GEROU EMBATES
A audiência também foi palco de embates sobre o asfaltamento da BR-319, estrada que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). O senador Omar Aziz (PSD-AM) atacou Marina, dizendo que ela não era "mais ética" do que os outros presentes. A ministra lembrou que ficou 15 anos fora do governo e tem sido usada como bode expiatório no debate sobre a rodovia, cuja pavimentação preocupa ambientalistas por conta do risco de desmatamento acelerado.
Outro ponto de tensão foi o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental. Marina pediu ao presidente da Câmara, Hugo Motta, mais tempo para debater o texto com a sociedade civil. O PL foi aprovado com alterações no Senado e agora retorna à Câmara para nova votação. Parlamentares da base ruralista chamam o projeto de "Destrava Brasil" e defendem que ele facilita atividades econômicas. Já ambientalistas alertam para o risco de retrocessos e aumento do desmatamento.
DESMONTE DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
O senador Omar Aziz culpou Marina por atrasos na tramitação do projeto: "Se essa coisa não andar, a senhora também terá responsabilidade... Pela intransigência, a falta de vontade de dialogar, de negociar, de conversar e de agilizar". Nas redes sociais, Marina reafirmou: "O licenciamento ambiental é uma conquista da sociedade brasileira. Só o povo brasileiro pode evitar esse desmonte que está sendo proposto".
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