O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta terça-feira (15) que desistiu de lançar o programa Renda Brasil, uma reformulação do Bolsa Família.
Em vídeo nas redes sociais, o presidente ameaçou com "cartão vermelho" integrantes da equipe econômica que defenderem medidas como o corte de benefícios de aposentados e deficientes.
"Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família. E ponto final", afirmou.
Na gravação, o presidente ressaltou que foi surpreendido por manchetes de jornais, entre elas a da Folha de S.Paulo, segundo a qual o governo planeja revisar cerca de 2 milhões de benefícios destinados a idosos e deficientes.
A medida, que vinha sendo estudada pela Economia e pela Cidadania, poderia gerar uma economia de R$ 10 bilhões por ano. O objetivo seria endurecer a regulamentação dos critérios para recebimento do BPC (Benefício de Prestação Continuada).
"Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos. Quem por ventura vier propor a mim uma medida como essa eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa", disse o presidente.
Bolsonaro ainda ressaltou que quem defende a proposta "não tem um mínimo de coração" e "um mínimo de entendimento" de como vivem os aposentados no Brasil. No Twitter, ele acrescentou que congelar aposentadorias e cortar auxílios é um "devaneio de alguém que está desconectado com a realidade".
"Pode ser que alguém da equipe econômica tenha falado sobre esse assunto. Pode ser. Mas, por parte do governo, jamais vamos congelar salários de aposentados, bem como jamais vamos fazer com que os auxílios para idosos e para pobres com deficiência sejam reduzidos para qualquer coisa que seja", afirmou.
Em entrevista, publicada na segunda-feira (14), o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, chegou a dizer que a equipe econômica defende que benefícios previdenciários, como aposentadorias e pensões, sejam desvinculados do salário mínimo.
Na prática, a medida congelaria os benefícios, deixando-os sem reajustes. Esse congelamento abriria espaço no orçamento para financiar o programa Renda Brasil.
Antes mesmo da divulgação do vídeo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi chamado ao Palácio do Planalto para uma audiência com o presidente.
Ele adiou a participação em um evento para o encontro. Segundo assessores palacianos, a desistência do programa social foi o tema principal da reunião, que ocorreu em um clima de irritação.
Segundo relatos feitos à reportagem, na reunião, Bolsonaro pediu a Guedes que assessores da equipe econômica evitem dar entrevistas à imprensa, para evitar novas polêmicas.
Um membro do alto escalão do governo avalia que o próprio Guedes teria planejado esse movimento com a intenção de convencer o governo sobre a necessidade de criar o imposto sobre transações financeiras. Na avaliação dessa fonte, o ministro fez uma manobra política ao autorizar seu subordinado a lançar essa discussão sobre o congelamento de aposentadorias. O objetivo seria mostrar que o governo não tem recursos e precisa encontrar uma fonte para financiar os novos programas.
Após a decisão de Bolsonaro, Guedes determinou que sua equipe abandone a formulação do Renda Brasil e orientou que o foco agora seja dado à desoneração da folha de salários das empresas.
Diante das resistências no governo e no Congresso, Guedes quer acelerar a proposta que cria um novo programa de emprego desonerado. A medida, no entanto, também é criticada, porque viria acoplada à criação de um imposto sobre pagamentos aos moldes da extinta CPMF.
Incomodado com a repercussão da proposta que prevê o fim da correção de aposentadorias pela inflação, o ministro afirmou a interlocutores no início da manhã desta terça-feira que não haverá mais Renda Brasil.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, afirmou nesta terça após a bronca que o presidente é um parceiro da agenda pró-mercado. Na visão do integrante do time de Guedes, o que Bolsonaro está vetando é a discussão pública sobre os temas.
"O presidente é um parceiro da agenda pró-mercado. Fomos eleitos com essa pauta. Você olha o grande apoio que o ministro Guedes tem nessa área", afirmou ao ser questionado sobre o tema em entrevista à imprensa sobre as projeções do PIB. "O que me parece que o presidente coloca, corretamente, é que as discussões não podem ser públicas. Você não pode ficar lançando ideias publicamente. Acho que foi isso que ele deixou claro", afirmou.
Sachsida negou que estejam proibidas discussões de caráter impopular. Ele disse que o governo é reformista e relembrou diferentes temas apresentados pelo Executivo, como a reforma da Previdência, e propostas aprovadas pelo Congresso como as novas regras em saneamento e gás. "O que estamos vendo hoje só encontra paralelo no Plano Real", disse.
Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro já havia interditado uma proposta avaliada pela equipe econômica que previa a extinção de programas sociais existentes hoje para criar o Renda Brasil. Em evento, ele disse não aceitar o fim do abono salarial e argumentou que não vai "tirar de pobres para dar a paupérrimos".
Após o veto do presidente a esse plano, o ministro passou a defender que os novos recursos para o programa venham a partir da retirada de amarras do Orçamento, com a aprovação de proposta do pacto federativo, que já tramita no Congresso.
Ele defende a redução de gastos obrigatórios e a implementação de medida que aciona gatilhos de ajuste fiscal, como a redução temporária de salários de servidores públicos.
A ideia de desvincular as aposentadorias do salário mínimo é criticada também por parlamentares e sofre com restrições de membros do Palácio do Planalto.
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Diante das dificuldades impostas sobre as duas principais propostas da equipe econômica para a criação do Renda Brasil, Guedes passou a dizer que não será possível criar o programa.
Em conversa com auxiliares, o ministro afirmou que a retirada de amarras do Orçamento foi proposta para devolver ao Congresso o poder de decisão sobre os recursos públicos, e não para prejudicar vulneráveis.
Para ele, a criação do programa foi cercada por uma guerra de comunicação destrutiva, que acaba prejudicando o trabalho do governo.
Por isso, o ministro passou a defender que sua equipe abandone a formulação do Renda Brasil e foque os trabalhos na criação de um programa de emprego desonerado para todos os setores da economia, outra prioridade de sua gestão.
A proposta em estudo pelo ministro pode trazer uma desoneração ampla para remunerações mais baixas, próximas de um salário mínimo, e uma redução mais modesta de encargos para patamares salariais mais altos.
Para compensar essa perda de arrecadação, a proposta da equipe econômica prevê a criação de um novo tributo sobre transações financeiras, que incidiria amplamente sobre a economia, inclusive sobre saques em dinheiro.
A criação do tributo já foi criticada diversas vezes por Bolsonaro, mas, recentemente, o presidente deu aval a Guedes para testar a recepção da proposta no Congresso.
A medida também é criticada por parlamentares. Um dos principais componentes do movimento contrário ao imposto é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Antes da declaração de Bolsonaro sobre o Renda Brasil, membros do time de Guedes ainda acreditavam ser possível criar o Renda Brasil. Eles defendiam apenas que a apresentação da proposta ficasse para um segundo momento.
A percepção de técnicos da pasta é que sem a focalização de programas existentes hoje e sem a retirada de amarras do Orçamento, será impossível criar o Renda Brasil. Não é vista como opção uma flexibilização do teto de gastos, regra que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação.
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