Assim que você entra na loja Nando Vinil, o mundo lá fora parece se dissolver. O barulho dos carros que passam pela Avenida Almirante Barroso, os alertas incessantes das notificações do celular e a pressa cotidiana são abafados pela sensação de entrar em um espaço onde o tempo parou.
O cheiro de madeira envelhecida e couro desgastado permeia o ar, observo tudo com atenção enquanto me atenho a uma vitrola antiga e a imagino tocando suavemente, emitindo aquele chiado característico dos discos de vinil. Nas prateleiras de vidro, pequenos carrinhos de decoração reluzem sob a luz amarelada do ambiente que é iluminado pelos raios solares das 10h da manhã. Cada detalhe naquela loja parece convidar o visitante a viajar para o passado.
Logo à esquerda, um telefone antigo, daqueles com o disco de números giratórios, repousa sobre uma prateleira rústica. As teclas desgastadas denunciam os muitos dedos que giraram aqueles números, em uma época em que as conversas tinham uma pausa natural, uma espera, um compasso mais lento. Será que esse telefone já foi o elo entre duas pessoas apaixonadas? Ou talvez tenha transmitido alguma notícia importante, que mudou a vida de quem o atendeu?
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Mais adiante, uma máquina de datilografia ocupa lugar de destaque. O metal frio de suas teclas contrasta com a suavidade do papel branco preso no cilindro. Curiosa, resolvi testar para sentir um pouco da sensação de como era escrever nesses aparelhos, confesso que a sensação foi maravilhosa, ouvir o som dos cliques firmes e o toque metálico ao final de cada linha, seguido pelo retorno da alavanca fez com que a minha imaginação aflorasse, me imaginei sentada em uma cadeira de madeira maciça do século XIX, com o encosto ornamentado por entalhes delicados, quase barrocos, mostrando a arte de outra época.
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O assento, estofado com tecido floral, escrevendo em frente a uma janela grande de vidro antigo, do lado de fora, um jardim bucólico com flores silvestres coloridas e arbustos que dançam levemente ao vento. A luz do sol entra de forma suave, criando sombras entrelaçadas sobre a mesa, como se quisesse trazer o jardim para dentro. Uma brisa leve atravessa a janela, carregando o perfume das flores, nesse momento, meu telefone moderno vibra e eu acordo do meu mundo imaginário.
Neste momento me pergunto: Quem sabe quais cartas, contratos ou histórias essa máquina ajudou a escrever? Ao mesmo tempo a afirmação vem de que ela não é apenas uma máquina. É o eco de uma época em que escrever exigia paciência e intenção.
Voltando à realidade do século XXI, do ano de 2024, dentro de um lugar onde o passado ganha vida, observo uma estante de vidro próxima à máquina de escrever e vejo uma câmera fotográfica antiga, de plástico na cor preta e cinza e com lentes manchadas pelo tempo, repousa em cima de um balcão também de vidro. Imaginar as fotos que ela capturou, os momentos que eternizou, é inevitável. Será que uma dessas fotos é a do pai falecido de Nando?
Ali, no fundo, sobre um pequeno balcão, um porta-retrato dourado entre um aparelho de som antigo e uma mini TV portátil guarda a imagem empoeirada de um homem sério, com olhar firme, capturado em uma foto em tom sépia. Seu semblante revela uma vida vivida, talvez o começo de um sonho que agora sobrevive nas mãos do filho. "Comecei a vender vinil aos 15 com o meu pai", diz Nando, a voz baixa, quase reverente. "Ele começou com poucas coisas, vendendo discos na calçada de um colégio."
No centro da loja, um globo terrestre antigo está ali, girando preguiçosamente com o toque de quem passa, as fronteiras entre os países quase desbotadas. Esse globo, talvez, tenha sido usado por algum sonhador que planejava viagens que nunca fez, ou talvez tenha servido para ensinar alguma criança sobre o vasto mundo que existe além das paredes de sua casa. Agora, ele é um lembrete da curiosidade que movia gerações anteriores, quando o conhecimento vinha dos livros e mapas, não da internet.
E, como se a loja não fosse já uma viagem no tempo, logo ao lado de uma coleção de discos de vinil, um ferro a carvão repousa pesadamente em uma prateleira de vidro. Uma peça que talvez tenha sido usada com frequência, em um tempo em que o ato de passar roupas era uma tarefa árdua, e não apenas mais um botão a ser apertado em uma máquina moderna. Ao lado, um ferro a gás, mais moderno, mas ainda assim cheio de marcas do tempo. Quem segurou esses ferros, preparando camisas para eventos importantes ou simplesmente passando as roupas da família com cuidado?
Entre as prateleiras abarrotadas de bonecas de porcelana damas de época, com seus olhos de vidro que parecem seguir o visitante por todo o ambiente, e os candeeiros que provavelmente iluminaram noites silenciosas, a loja se transforma em um santuário de memórias esquecidas. Cada peça conta uma história, mesmo que não saibamos exatamente qual é. A sensação é de que, ao tocar esses objetos, você se conecta com pessoas e épocas distantes, com histórias de vidas comuns, mas cheias de significado.
Confira objetos antigos da loja:
Equipe Dol Especiais:
Brenda Hayashi é repórter do portal Dol desde janeiro de 2022 e também coleciona discos de vinil. Apaixonada por antiguidade e apreciadora de músicas das décadas de 1960 a 1990, ela gosta de escrever sobre assuntos relacionados à moda, beleza, entretenimento e cultura.
Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.
Emerson Coe é profissional multimídia do portal Dol e produziu fotos e vídeos para estar reportagem. Ele ilustrador com mais de 30 anos de carreira, é cartunista e quadrinista. Com participações e prêmios em exposições internacionais, destaca-se por sua arte crítica e seu envolvimento em projetos de humor gráfico mundial.
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