
Nos últimos anos, o mundo aprendeu a conviver com surtos virais que, de tempos em tempos, colocam a saúde pública em estado de alerta. Algumas doenças ganham os holofotes por semanas, geram mobilização global e, depois, desaparecem do noticiário como se tivessem sido vencidas. Mas a realidade no front médico nem sempre acompanha a sensação coletiva de alívio. Enquanto a percepção pública aponta para o fim de certas ameaças, profissionais de saúde continuam observando sinais de que o perigo permanece — às vezes, mais presente do que nunca.
Um exemplo claro disso é a mpox, infecção viral que, embora pareça ter perdido força no imaginário coletivo, ainda circula ativamente no Brasil. Entre junho de 2024 e junho de 2025, foram registrados mais de mil diagnósticos no país, totalizando 14.118 casos confirmados e 17 mortes desde o início do surto, em 2022. Apenas no primeiro semestre de 2025, houve 684 novas infecções e um óbito, no estado do Pará.
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A concentração dos casos segue mais alta em São Paulo e Rio de Janeiro, mas estados como Amazonas e Santa Catarina também apresentam números significativos. O estigma, o medo de isolamento prolongado e o risco de perder o emprego fazem com que muitas pessoas evitem procurar atendimento, o que dificulta o diagnóstico precoce e contribui para a subnotificação.
A mpox é causada por um vírus da mesma família da varíola. Seus sintomas mais comuns incluem erupções cutâneas dolorosas, febre e inchaço nos gânglios linfáticos. A transmissão ocorre por contato direto com feridas ou gotículas respiratórias. Embora, na maioria dos casos, a doença evolua de forma benigna, há registros de quadros graves — especialmente em pessoas com o sistema imunológico comprometido.
Durante o 24º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em Florianópolis, a infectologista Mayara Secco Torres da Silva, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), alertou para a ideia equivocada de que a mpox estaria controlada. “Muita gente acha que a mpox acabou, mas quem trabalha em serviços de referência vê que os diagnósticos seguem semana a semana. Isso reforça que precisamos manter vigilância constante”, afirmou.
Segundo a médica, o aumento nas notificações após a mpox ser declarada novamente emergência internacional em 2024 não foi causado por uma nova variante, mas por um retorno da atenção médica à doença. Com isso, profissionais voltaram a testar e suspeitar da infecção em pacientes sintomáticos.
Infecção oportunista entre pessoas com HIV
A relação entre mpox e HIV tem chamado a atenção. A maioria dos diagnósticos é feita entre pessoas com vínculo prévio com serviços de saúde — sobretudo aquelas que vivem com HIV ou fazem uso de PrEP (profilaxia pré-exposição). Em muitos desses casos, o diagnóstico só ocorre quando o quadro já está avançado.
Dados apresentados por Mayara indicam que a gravidade da doença entre pessoas com HIV está ligada ao nível de controle da infecção. Pacientes em tratamento e com carga viral indetectável tendem a evoluir melhor, enquanto os que não seguem terapia antirretroviral têm maior risco de complicações e até de óbito.
“O quadro fulminante da mpox em pessoas imunossuprimidas trouxe uma nova reflexão: a de que a doença pode ser considerada uma infecção oportunista em indivíduos com HIV avançado”, explicou a especialista.
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Avanços e incertezas sobre o tratamento
A comunidade médica também tem acompanhado de perto o uso do antiviral tecovirimat. Embora alguns pacientes imunossuprimidos tenham mostrado boa resposta ao medicamento, ainda faltam estudos conclusivos sobre sua eficácia ampla. Em um dos casos acompanhados pela Fiocruz, um paciente com HIV e baixa adesão ao tratamento apresentou melhora significativa após o uso do fármaco. Em outro caso semelhante, no entanto, o desfecho foi fatal, mesmo com a administração do remédio.
“Temos relatos de pacientes que responderam bem ao tecovirimat, mas também casos em que houve recrudescência de lesões ou até resistência ao medicamento. Isso mostra como ainda existe uma lacuna de conhecimento, sobretudo para pessoas com imunossupressão avançada, que nem sequer foram incluídas nos grandes ensaios clínicos”, pontuou Mayara. O tratamento, segundo ela, deve envolver uma abordagem combinada: suporte clínico, controle da dor, prevenção de complicações e acesso garantido à terapia antirretroviral. O uso do antiviral é considerado apenas nos quadros mais graves.
Mais que uma doença de pele
Embora a mpox não tenha hoje a mesma visibilidade de 2022, ela continua impactando a vida de muitos brasileiros — especialmente os mais vulneráveis. Para além dos sintomas físicos, há efeitos sociais e psicológicos significativos, como a perda do emprego em razão de longos afastamentos e o estigma associado à doença.
“A mpox pode não ter o mesmo peso de 2022, mas continua sendo uma doença que exige vigilância, atenção aos diagnósticos e integração com o cuidado integral às pessoas que vivem com HIV”, concluiu a infectologista.
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