No calor abafado da política cearense, uma fala improvisada em um palanque transformou-se no estopim de uma crise sem precedentes dentro do clã Bolsonaro. O gesto de Michelle Bolsonaro, ao criticar publicamente a aproximação do diretório do PL no Ceará com Ciro Gomes, reverberou muito além das paredes do evento partidário em Fortaleza. O episódio desencadeou notas oficiais, ataques nas redes sociais e um raro embate aberto entre a ex-primeira-dama e os filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro, revelando fissuras profundas em um grupo que sempre se mostrou monolítico ao eleitorado.
A crise explodiu no último domingo (30), quando Michelle repreendeu o PL-CE por buscar aliança com Ciro Gomes (PSDB), nome historicamente hostil a Bolsonaro. Em seu discurso, ela classificou a articulação como insustentável, lembrando que Ciro já comparou Jair Bolsonaro a um "ladrão de galinha" e o rotulou de "genocida". Na segunda-feira (1º), a ex-primeira-dama publicou uma nota reforçando que não poderia aceitar apoiar "um homem que tanto mal causou ao meu marido e à minha família".
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Michelle também argumentou que, mesmo que Jair Bolsonaro - hoje preso em regime fechado e impedido de arbitrar conflitos - estivesse de acordo com a aliança, ela tinha o direito de discordar. "Antes de ser uma líder política, eu sou mulher, sou mãe, sou esposa", declarou. A nota, entretanto, teve efeito contrário ao pretendido: inflamou ainda mais os ânimos de seus enteados.
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FILHOS DE BOLSONARO ACUSAM MICHELLE DE ATROPELAR DECISÕES
A resposta mais dura veio de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que classificou a fala de Michelle como "autoritária e constrangedora". Segundo o senador, a aproximação com Ciro foi autorizada pelo próprio pai e tinha objetivo pragmático: enfraquecer Lula no cenário local.
O coro de críticas cresceu rápido. Carlos Bolsonaro afirmou que Michelle "atropelou" Jair Bolsonaro e defendeu a liderança do pai. Eduardo Bolsonaro, por sua vez, saiu em defesa de André Fernandes, presidente estadual do PL, dizendo que era injusto criticá-lo por apenas obedecer a decisão de Bolsonaro. Jair Renan também republicou os ataques dos irmãos.
DISPUTA DE PODER NA FAMÍLIA
O episódio tornou-se, assim, a maior ruptura pública do bolsonarismo desde 2018, escancarando uma disputa de poder e narrativa dentro do núcleo familiar — justamente no momento de maior fragilidade de Jair Bolsonaro, privado de sua capacidade de intervir.
Na nota divulgada nas redes sociais, Michelle pediu perdão aos enteados pela discordância, mas reafirmou sua posição. Disse que Ciro Gomes “nunca defenderá os valores da direita” e comparou apoiar o tucano a “trocar Joseph Stalin por Vladimir Lenin”. Admitiu, ainda, que muitas vezes é o papel das esposas “mostrar aos maridos que eles podem estar errando”.
A ex-primeira-dama também lembrou que Ciro se orgulhou de ter acionado a Justiça em processo que contribuiu para a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. “Como ser conivente com o apoio a uma raposa política?”, questionou.
RACHA EXPOSTO E CENÁRIO IMPREVISÍVEL
A tensão, agora pública e irreversível, marca uma nova fase do bolsonarismo sem a figura reguladora de Jair Bolsonaro. Os desentendimentos entre Michelle e Carlos já vinham de 2022, mas nunca haviam atingido tamanha proporção.
A crise evidencia não apenas divergências estratégicas, mas uma disputa simbólica pelo comando político e moral do movimento. Enquanto Michelle consolida sua projeção como líder do PL Mulher e figura popular entre apoiadores, os filhos defendem a primazia da "palavra do pai" e a lealdade às articulações feitas por ele.
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