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ESTELIONATO, LAVAGEM DE DINHEIRO E MAIS

“Jogo do Tigrinho”: entenda os crimes e questões legais

Além dos crimes investigados, deve-se atentar para o fato de que os "influencers" não eram donos das plataformas.

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Imagem ilustrativa da notícia “Jogo do Tigrinho”: entenda os crimes e questões legais camera Divulgação

Na semana passada, um grupo de influenciadores digitais foi alvo da operação “Truque de Mestre”, no Pará. Os que foram detidos já saíram da cadeia para responder em liberdade. Outros que não foram alvos da primeira fase da operação "Truque de mestre" seguem divulgando as plataformas, no máximo com a inserção de um emoji "+18".

A ação, da Polícia Civil, teve como objetivo cumprir mandados de prisão temporária e de busca e apreensão contra investigados por envolvimento em jogos de azar na internet, conhecidos como “Jogo do Tigrinho” (Tiger Fortune). De acordo com a PC, o grupo movimentou mais de R$ 20 milhões e é suspeito de estelionato, lavagem de dinheiro e associação criminosa. O assunto ganhou repercussão nacional, principalmente pelo questionamento acerca da legalidade ou não dos jogos.

O advogado criminalista Filipe Silveira adianta que uma pessoa eventualmente contratada para divulgar um sítio eletrônico de apostas, não pode ser confundida com o proprietário ou com a pessoa que disponibiliza o serviço.

Mas afinal, jogos de azar configuram atividade lícita, ilícita ou criminosa? Silveira explica que “aqueles jogos que dependem exclusivamente da sorte, são vedados no Brasil e configuram espécie de contravenção penal”. A legislação define como jogos de azar as seguintes atividades: o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

No entanto, como efeito da globalização e massificação da rede mundial de computadores, um fato considerado interessante vem ocorrendo, na avaliação de Silveira. Segundo ele, empresas sediadas no exterior, contando com servidores no exterior, oferecem ao mundo sistemas de apostas online.

“Por conta disso, a compreensão do que seja jogo de azar vem sendo relativizada pela legislação brasileira. A esse respeito, apostas em corridas de cavalo, por exemplo, deixaram de ser ilegais com o surgimento da Lei n. 7291/84, regulamentada pelo Decreto 96993/1988. De igual forma, apostas esportivas deixaram de ser consideradas ilegais com o advento da Lei n. 13.756/2018, desde que exploradas pela União. Mais recentemente, essa modalidade de apostas ou loterias (esportiva, também denominada de quota fixa) vem sendo objeto de debates no Congresso Nacional para nova regulamentação, para ser explorada por entidades privadas (PL 3626/2023)”, pontua Silveira.

O texto inicial do projeto de lei, inclusive, previa a possibilidade de regulamentar a aposta em jogos on-line, situação essa que, recentemente, (12/12/2023) foi objeto de alterações pelo Senado Federal.

“Essa contextualização torna-se absolutamente importante para que se compreenda que a sociedade brasileira atual já não possui a mesma compreensão sobre a conduta de apostar. Basta observar que, enquanto a legislação de 1941 proibia apostas em corrida de cavalos e em qualquer outra atividade esportiva, a legislação mais recente, desde a década de 80, vem regulamentando essas atividades e, inclusive, em alguns casos permitindo a exploração exclusiva pela União Federal”, explica.

“A segunda conduta mencionada na pergunta tem relação com a promoção e/ou divulgação dessas atividades. O ponto central é saber se a mera divulgação dessas atividades pode ser considerada crime. A resposta parece ser negativa, salvo uma única exceção. Uma pessoa eventualmente contratada para divulgar um sítio eletrônico de apostas não pode ser confundida com o proprietário ou com a pessoa que disponibiliza o serviço”, defende Silveira.

“A propaganda ou divulgação, portanto, não pode ser confundida com a conduta de explorar o jogo de azar, com ela não se confunde. Aquele que faz ou promove publicidade enganosa ou abusiva, poderá, se existente relação de consumo, ser responsabilizado pelo crime previsto no art. 67 do Código de Defesa do Consumidor ou no art. 68 do mesmo código se a publicidade for de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Ademais disso, a depender do caso concreto, a esses tipos penais poderá ser acrescido circunstâncias agravantes se (a) ocasionarem grave dano individual ou coletivo; (b) dissimular a natureza ilícita do procedimento; (c) menores de 18 anos, maiores de sessenta ou pessoas portadoras de necessidades especiais”, esclarece o Filipe Silveira.

Ele acrescenta: “Veja, nesse contexto, que a conduta de quem faz a propaganda não pode ser confundida com a conduta de quem explora o jogo de azar, são situações e contextos diversos”. “A única forma de se imputar ao responsável pela propaganda ou divulgação a exploração do jogo de azar ocorre quando aquele que está promovendo o jogo de azar também é o responsável pela criação e inserção do produto ilícito no país”, assegura.

Estelionato

“No caso em debate, o crime de estelionato é geral em relação à contravenção penal (mais específica), razão pela qual a conduta de explorar jogo de azar deveria ser punida pela lei das contravenções penais e não pelo Código Penal. Porém, na hipótese específica dos chamados influencers não há demonstração de que estivessem explorando o jogo de azar, mas sim de estarem divulgando, realizando publicidade, mesmo que, em tese, soubessem do caráter ilegal do jogo; estivessem fazendo afirmação abusiva sobre as chances de ganho; ou induzindo ao comportamento perigoso do consumidor”, comenta Silveira.

Ainda segundo ele, “nesse caso, portanto, mais uma vez, a legislação específica seria o CDC (Código de Defesa do Consumidor) e não o Código Penal. A meu juízo, há uma grave distorção do programa normativo do art. 171, de seus incisos e parágrafos, pois, nenhum deles alberga a conduta que fora atribuída pelas notícias divulgadas aos influencers, isto é, não há exploração de jogo de azar, não há fraude praticada pelos influencers, mas sim a publicidade de uma atividade ilícita, o que poderia atrair os crimes e circunstâncias agravantes presentes no Código de Defesa de Consumidor e não no Código Penal”.

Associação criminosa

Para Filipe Silveira, no que diz respeito ao crime de associação criminosa, “pelo menos em um sentido apriorístico ou inicial, não há notícias de que os influencers estavam reunidos com estabilidade e permanência para juntos cometerem inúmeros crimes. Aparentemente, o crime de associação criminosa foi utilizado para viabilizar a aplicação da medida de segregação temporária”.

“É preciso que se compreenda que a legislação criminal brasileira diferencia o crime praticado em concurso, quando duas pessoas se unem no mesmo propósito para um delito, do crime de associação criminosa, quando três ou mais pessoas se associam, com estabilidade e permanência, para praticar um número indeterminado de crime”, informa.

Lavagem de dinheiro

“Por fim, a mera utilização do produto de um eventual crime (a exemplo a compra de automóveis ou outros bens) em nome próprio não caracteriza, por si só, o crime de lavagem de capitais. A lavagem se caracteriza, em apertada síntese, pela ocorrência de três fases (colocação, dissimulação e integralização). Na primeira e segunda fases (colocação e ocultação) o agente promove atos para ocultar a natureza, origem, localização e propriedade do bem, correspondendo as condutas proibidas no caput e no §1º do art. 1º da Lei 9613/1998. Na terceira fase, chamada de dissimulação, prevista no §2º do art. 1º da Lei 9613/1998 pune-se o processo de integração do bem de origem ilícita na economia formal, daí porque se pune aquele que, tendo conhecimento da origem, utiliza tais bens na atividade econômica. O que se pode concluir, portanto, em grossa síntese, é que a compra de bens em nome próprio ou para uso pessoal, sem qualquer processo de ocultação ou dissimulação, não corresponde ao crime de lavagem de dinheiro”, resume.

Questionado sobre uma possível modificação do cenário existente para o caso ocorrido no Pará sobre influencers presos por divulgar o “Jogo do Tigrinho”, Silveira avalia que “é preciso compreender os detalhes da investigação que não estão disponíveis em fontes abertas”. “Porém, se confirmado que os fatos são aqueles noticiados pela imprensa nacional, então, será possível se cogitar desclassificação da acusação. Nesse caso, se a conduta dos influencers for aquela regulada pelo CDC, sem a confirmação de circunstâncias agravantes, então, será possível, inclusive, cogitar-se em crimes de menor potencial ofensivo, a serem julgados e processados nos juizados criminais especiais”, comenta.

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