Duzentos e oitenta quilos de caroços de açaí são produzidos, em média, todos os dias em cada ponto de venda, segundo estimativa da Associação dos Vendedores Artesanais de Açaí de Belém e Região Metropolitana (Avabel). Este mesmo material, que sem uso posterior adequado significa toneladas de rejeitos, é despejado em ruas, esquinas e aterros das cidades. Uma realidade difícil para quem convive com a grande quantidade de lixo presente nos seis municípios que compõem o núcleo urbano da capital paraense. Contudo, o reaproveitamento e a inovação tecnológica se apresentam como a solução para o problema.
Ainda de acordo com a Avabel, do dejeto recolhido todos os dias nas cidades, cerca de 50% provêm do caroço, passivo orgânico, que forma verdadeiros depósitos de lixo a céu aberto ocupando espaço nas vias. Um caos traduzido em risco social e ambiental.
Dados divulgados pela Avabel apontam que hoje existem cerca de oito mil pontos de venda de açaí nos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara e Santa Izabel e a maioria não faz o descarte adequado.
VEJA A GALERIA DE IMAGENS COM O DESCARTE IRREGULAR DE CAROÇO NAS RUAS
O problema que atinge a todos é também preocupação para os batedores de açaí, profissionais responsáveis pela venda final do alimento que vai à mesa do consumidor.
Erasmo Oliveira trabalha com o açaí há 25 anos, principal fonte de renda da família, de onde retira em média um salário e meio mensal. Ao lado do ponto onde vende, na avenida Bernardo Sayão, bairro do Guamá, em Belém, uma pilha de sacas cheias de caroços. Sem a certeza de que o descarte será feito corretamente, ele espera o carro da prefeitura passar e assim entregar o produto mesmo que isso demore bastante tempo.
“Eu coloco aqui do lado e vou ajeitando até a prefeitura achar que deve levar. Tem mais de 20 dias que não passam para recolher o entulho. Eu não deixo os trabalhadores de carrinhos levarem porque eles só tiram de um lugar para jogar em outro, não há um benefício para ninguém”, pontua o vendedor.
Já seu Francisco Ribeiro, que trabalha com a venda de açaí o dobro de tempo de Erasmo, gasta em média 500 reais mensais para que as sementes sejam retiradas da porta do seu estabelecimento comercial, localizado na avenida Alcindo Cacela, no bairro de São Brás. Para ele, a condição atual é bem mais confortável por saber que o resíduo tem um destino certo sendo usado como fonte de energia em uma fábrica de celulose no estado do Amapá.
VEJA:
O alívio demonstrado por seu Francisco é retrato de uma nova realidade que se apresenta às sementes do açaí que no Pará já está em avançada fase de pesquisa e implantação.
Pontos de venda de açaí estão espalhados pelas cidades. Veja a Galeria!
A SERVIÇO DO MEIO AMBIENTE
A indústria de cimento foi quem saiu na frente no reaproveitamento do passivo como fonte renovável de energia e que também poderá ser agregado como item na mistura do concreto.
Na busca de um produto que venha baratear a construção civil e ainda compensar as perdas ao lençol freático, proveniente da falta de impermeabilização do solo, causada pelo bloqueio do cimento armado, a faculdade de Engenharia Civil, da Universidade da Amazônia (Unama), trabalha no sentido de desenvolver um concreto sustentável com o uso do caroço de açaí.
A ideia consiste em substituir de 15 a 30 por cento o seixo, pela semente do fruto, em cada metro quadrado de concreto a ser utilizado em solos de áreas com pouco movimento e sem tráfego pesado, a exemplo de parques e vielas, como explica o engenheiro, Emerson Rodrigues, professor do curso. A ideia, inclusive, também agrada quem trabalha diretamente na construção civil.
ACOMPANHE:
Na construção Civil, caroço do açaí tem espaço e já foi aprovado. Galeria de Fotos!
INOVAÇÃO - FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, EMPREGO E RENDA
No propósito de valorizar o caroço de açaí para um reaproveitamento sustentável, a empresa mineradora e fábrica de cimento Votorantim, que possui uma de suas fábricas localizada no município paraense de Primavera, a 200 quilômetros de Belém, começou este ano, o programa de coprocessamento da semente como fonte alternativa de energia para funcionamento dos fornos.
A princípio, o objetivo é diminuir gradativamente o uso do coque, substância fóssil, derivada do petróleo, fonte de energia não renovável, causadora de grande emissão de gases altamente poluentes ao meio ambiente como o dióxido de carbono (CO2) e derivados do enxofre (SOX) e Nitrogênio (NOX).
Atualmente, o coque de petróleo é importado diretamente dos Estados Unidos a mais de 10 mil quilômetros com um alto custo que não gera empregos diretos nas regiões onde a empresa se desenvolve.
A solução é inovadora e se enquadra no conceito das chamadas “Regras Verdes” da Votorantim Cimentos, baseadas nos princípios da política ambiental da empresa.
Dentre as regras estão a proteção e respeito ao meio ambiente, proteção da biodiversidade, a diminuição da geração de resíduos com reuso e reciclagem de materiais. No quarto item dessas regras está a maximização da eficiência energética e redução das emissões de gases do efeito estufa com produção, transporte e operação de apoio, onde exatamente se encaixa a política de reaproveitamento do caroço do açaí.
Conheça as Regras Verdes:
Em vídeo, o engenheiro Tiago Mudesto Gomes, gerente de fábrica da Votorantim, explica em detalhes como é feito o coprocessamento do caroço e os benefícios que a nova destinação da biomassa já produz para a comunidade e o meio-ambiente. Lucas Constantino comemora a atividade após um ano e meio desempregado. Hoje ele é auxiliar operacional na empresa.
ASSISTA:
Veja na Galeria de Imagens, o reúso do caroço de açaí no parque industrial da Votorantim
Hoje, a Votorantim capta o passivo orgânico diretamente de cidades como Igarapé-Miri, localizada também no nordeste paraense, através da empresa Ecobiomassa. De acordo com Tadeu Bragatto, diretor da empresa, o município é o único que possui 100% do resíduo produzido recolhido diretamente nos pontos de venda.
"Isso tem uma geração de 300 toneladas mensal. Além dos vendedores temos as fábricas que fazem a polpa e a gente recolhe delas também. A Ecobiomassa já gera em torno de 20 a 25 empregos e ganha potencial cuja tendência é aumentar. A partir do momento que uma empresa grande como a Votorantim passou a consumir outras virão em busca da substituição ao seu combustível fóssil", comemora o empresário.
CONSELHO DE MEIO AMBIENTE ACOMPANHA O PROCESSO
Os esforços realizados pelas empresas estão sendo acompanhados diretamente pelo Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) voltado para o licenciamento, gestão de resíduos sólidos e gestão ambiental das indústrias.
Em conversa com a reportagem, Derick Martins, presidente do Conselho, avaliou como de extrema importância a geração de energia renovável como alternativa ao uso de combustível fóssil que atuam conjuntamente com a política Nacional de resíduos sólidos.
"A atuação do Conselho é feita em conjunto com as empresas associadas aos sindicatos. A defesa da agenda da indústria, capacitação de industriais, promoção de debates dentro dos temas de atuação. Há alguns projetos em andamento principalmente nas olarias. Mas algumas empresas madeireiras também buscam a geração de energia com caroços de Açaí", pontua.
TRANSFORMAÇÕES QUE PODEM MELHORAR A VIDA NAS CIDADES
Em virtude de todo o movimento que anuncia o reaproveitamento da semente do açaí na indústria, a reportagem conversou com Carlos Noronha, presidente da Avabel que chegou ao segundo mandato consecutivo sob o comando da Associação. Entre os assuntos abordados estiveram as possibilidades existentes para quem pensa em investir no beneficiamento do caroço e também nas dificuldades para beneficiar a matéria-prima.
Diário Online (DOL) – Como a Avabel acompanha esse interesse da indústria pelo caroço do açaí?
Carlos Noronha (CN) – Isso vai aliviar a quantidade de resíduos que produzimos, a gente vê o caroço do açaí não como um resíduo, mas como uma matéria-prima que pode ser reaproveitada. Já recebi proposta de várias indústrias, de várias empresas até mesmo de outros países, mas esbarramos em obstáculos.
DOL - Quais são esses obstáculos?
CN – Falta o interesse maior do poder público. Para que a gente possa fazer isso teria de haver um ordenamento. Teríamos que fazer com que as empresas façam essa coleta e dê destino adequado pra ela. Eles querem que a Associação faça a pior parte que é coletar esse caroço. A logística da coleta ninguém quer assumir.
DOL - Quais as formas de beneficiamento que a Avabel já conhece para o caroço do açaí?
CN - Na construção civil, como fonte de energia. Nós temos um projeto para transformar o caroço em energia, em carvão vegetal, que seria fonte de renda para o próprio batedor de açaí. Ele teria desconto na tarifa de energia.
DOL - Sobre os impactos sociais e ambientais, como vocês tratam essa questão?
CN – Quando eu vejo matéria na televisão de lixo nos canais que eu enxergo o caroço do açaí, aquilo me entristece muito. A gente aconselha o batedor de açaí a não fazer isso. Nós temos um parceiro nosso aqui, o Amorim, que já faz coleta. Ele faz coleta de 10%, 15% do caroço de Belém todo dia. Onde se vê esses bags grande é ele que está coletando e leva para olarias de São Miguel do Guamá.
DOL - A coleta do caroço do açaí das ruas é de responsabilidade das prefeituras?
CN – Não. Não é a Seurb, não existe uma secretaria responsável pela coleta do caroço de açaí nos municípios. A Seurb é responsável pela coleta do lixo domiciliar. Existe uma legislação que diz que quem produz o lixo industrial é o responsável por ele, isso é uma legislação nacional. O batedor de açaí produz o resíduo industrial, então ele é o responsável.
DOL – Mesmo não sendo de responsabilidade do poder público quanto custa esse recolhimento?
CN – Hoje a prefeitura de Belém gasta cerca de dois milhões de reais por mês com essa coleta clandestina de caroço de açaí. Por outro lado, precisamos de um investimento de 700 mil reais, de uma vez, para montar a estrutura: caminhão, plantas para montar a empresa de beneficiamento. O primeiro passo é fazer a coleta do caroço e levar para o distrito industrial onde seria beneficiado, colocar para a secagem, processo de reaproveitamento para o carvão. Benefício múltiplo para o batedor que estaria se livrando do resíduo que acumula na porta do estabelecimento dele e o carvão voltaria para a venda dele que pode ganhar comissão em cima disso. Isso geraria uma fonte de renda do batedor que é muito mais benéfico que o carvão de madeira e assim estaríamos evitando o desmatamento.
De carvão a substituto do piche de asfalto. Outras alternativas já estão em análise
CONFIRA:
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar