
A Prefeitura de Ananindeua teria fraudado uma licitação de R$ 42 milhões, para beneficiar a Construtora Santa Cruz Ltda. A denúncia é do advogado Giussepp Mendes, que protocolou pedido, no último dia 5, para que o Ministério Público do Pará (MPPA) investigue o caso. Ele aponta como responsáveis pelas possíveis irregularidades o prefeito Daniel Santos e o secretário municipal de Saneamento, Rui Begot. Como você leu no DIÁRIO do último domingo, a Santa Cruz seria uma empresa de fachada, que já recebeu mais de R$ 161 milhões (em valores atualizados), na administração de Daniel. Um dos sócios da empresa é vizinho do prefeito, em um condomínio de luxo.
Segundo Giussepp Mendes, a licitação 3/2025.032 foi realizada, em julho último, pela Secretaria Municipal de Saneamento e Infraestrutura (Sesan), na modalidade “Concorrência Eletrônica”, para o registro de preços de serviços de “revitalização, pavimentação e transposição de vias urbanas e rurais”. O primeiro problema, afirma o advogado, é que não há qualquer informação dessa concorrência no Portal Municipal da Transparência e no mural de licitações do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCMPA), o que é irregular. Segundo ele, as únicas informações e “documentos escassos” só foram encontrados no Portal de Compras Públicas.
Lá, a Ata das Propostas menciona mais duas empresas como supostas participantes da licitação: L. Melo Construções Ltda e Pilar Construção e Serviços Ltda. Mas esse é o único sinal delas naquela concorrência. Todos os documentos existentes são apenas da Santa Cruz, incluindo as propostas de preço apresentadas na “sessão de disputa”, que é uma espécie de leilão ao contrário, em que várias empresas vão propondo preços cada vez mais baixos, para conquistar o contrato licitado. Outro problema é o endereço registrado pela Santa Cruz, na Receita Federal: Travessa 7, Terreno 04, Setor G, 04, Quadra 10, no bairro do Distrito Industrial, em Ananindeua PA, CEP: 67035-330.
Segundo o advogado, quando se busca a localização desse endereço no Google Earth/Maps, o que se percebe é que ele fica em um terreno da Cabano Engenharia e Construções Ltda, que possui ou possuiu vários contratos com a Sesan. Além disso, um dos sócios-administradores da Santa Cruz, José Alfredo de Jesus Lobato Coelho, já atuou como representante da Cabano em pelo menos uma ocasião: a sessão pública da Tomada de Preços 2014.020, realizada pela Sesan, na qual a Cabano se classificou em primeiro lugar. Não bastasse isso, salienta o advogado, José Alfredo de Jesus Lobato Coelho mora no Residencial Castanheira, o mesmo condomínio onde reside o prefeito Daniel Santos.
Quer saber mais notícias do Pará? Acesse nosso canal no Whatsapp
Suspeita
Para Giussepp Mendes, os fatos indicam possíveis ilegalidades, falta de transparência e favorecimentos indevidos. Segundo ele, houve “flagrante violação” de princípios constitucionais da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em primeiro lugar, devido à falta de informações no portal municipal da Transparência e no Mural de Licitações do TCMPA, o que compromete a necessária publicidade daquela Concorrência e “restringe o acesso dos cidadãos a informações que, por força da Lei de Acesso à Informação, deveriam ser públicas e de fácil consulta”.
Ainda segundo ele, o princípio da competitividade, que é regra fundamental das licitações, foi “claramente comprometido”, já que a Santa Cruz foi a única participante efetiva da disputa e não há qualquer esclarecimento sobre o porquê desse fato. Isso indica, diz ele, possível crime de frustração do caráter competitivo das licitações, cuja pena pode chegar a 8 anos de prisão. Uma suspeita reforçada pelos vínculos entre a Santa Cruz e a Cabano, o que pode indicar um conluio, “para concentrar contratos públicos em um mesmo grupo econômico”. Outro possível crime é o patrocínio de contratação indevida, cuja pena pode chegar a 3 anos de prisão.
A suspeita se deve ao fato de um dos sócios da Santa Cruz ser vizinho do prefeito e do ex-secretário municipal de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, que também mora no Residencial Castanheira. No ano passado, o secretário foi afastado do cargo, por ordem judicial, por suspeita de integrar de uma quadrilha que teria fraudado R$ 115 milhões em licitações. Para o advogado, essa relação de vizinhança “evidencia proximidade pessoal” entre o sócio da Santa Cruz e “agentes públicos diretamente ligados ao processo licitatório”.
Violações
Segundo Giussepp Mendes, os fatos apontam graves violações das leis e princípios que regem as contratações públicas, revelando “indícios concretos” de direcionamento e favorecimento indevido. Na denúncia, ele também menciona possível improbidade administrativa, devido ao conjunto de supostas ilegalidades, como a falta de transparência na licitação e os indícios de proximidade entre empresários e agentes públicos, o que pode configurar tráfico de influência. Menciona, ainda, possíveis crimes de fraude licitatória, associação criminosa e corrupção. E pede que o MPPA também comunique o caso ao TCMPA.
Em sete anos, capital da empresa suspeita aumentou de R$ 300 mil para R$ 3,7 milhões
Desde o ano passado, a Santa Cruz (CNPJ 10.867.643/0001-90) vem passando por uma série de turbinagens, para justificar o crescente volume de recursos que recebe da Prefeitura. Ela comprou uma usina de asfalto, alugou máquinas pesadas e aumentou o capital social de R$ 300 mil para R$ 3,7 milhões, entre 2023 e 2025.
Em valores atualizados, a empresa recebeu da Prefeitura cerca de R$ 12,5 milhões, em 2021. Em 2022, R$ 17,5 milhões. Em 2023, quase R$ 23 milhões. Já no ano passado, a montanha de dinheiro praticamente triplicou: foram mais de R$ 62 milhões. E neste ano, só até o último dia 4, já foram mais de R$ 46 milhões.
Antes da administração de Daniel Santos, tudo o que ela recebeu daquela prefeitura foram R$ 697 mil, em 2019. A estruturação da empresa e a destinação de recursos públicos cada vez maiores estariam sendo provocadas pelas investigações do Gaeco, o grupo de Combate ao Crime Organizado do MPPA.
Conteúdos relacionados:
- Caso Daniel: aviões de luxo no centro de investigação sobre corrupção
- Desvio milionário na saúde de Ananindeua é destaque na VEJA
A Santa Cruz faria parte de um grupo de empresas “guarda-chuvas”, cujos contratos com a Sesan conteriam várias irregularidades. Pelo menos é isso o que indicam mensagens trocadas entre o ex-secretário de Saneamento, Paulo Roberto Cavaleiro de Macedo, e a ex-diretora financeira da Sesan, Marilene de Queiroz Nascimento Pinheiro.
As mensagens foram encontradas pelo Gaeco no smartphone de Paulo Macedo, apreendido durante a operação Aqueronte, em setembro do ano passado. A Aqueronte originou a operação Hades, realizada no mês passado, para desbaratar um esquema de fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro, que seria comandado pelo prefeito.
Segundo o Gaeco, em 21 de junho do ano passado, Paulo Roberto enviou mensagens de áudio à Marilene Pinheiro, pedindo que ela tomasse providências em relação a alguns contratos da Sesan, “pois estaria vindo ‘uma grande operação’ nos próximos dias” (provavelmente, a Aqueronte). Ele pediu que ela olhasse “os processos que estão com alguma ponta solta”.
Disse que era preciso “ver o que a gente tem que ajeitar nesses contratos, tá?” “Então, a gente tem que se precaver”. Marilene Pinheiro respondeu que o seu medo eram “os guarda-chuvas, Coelho, DSL e Edifikka”. Segundo o Gaeco, o “receio” de Marilene Pinheiro se referia a contratos “contendo múltiplas irregularidades”.
A Edifikka e a DSL pertencem ao empresário Danillo Linhares, que também é vizinho do prefeito. Elas seriam as beneficiárias dos R$ 115 milhões em fraudes licitatórias na Sesan. Já a outra empresa “guarda-chuva”, a Coelho, o Gaeco não diz quem é. Mas o DIÁRIO encontrou indícios de que se trata da JA de J Lobato Coelho Eireli, o antigo nome da Construtora Santa Cruz.
Até o mês passado, o Gaeco já havia identificado 7 empresas e 5 empresários que estariam envolvidos em um esquema milionário de fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro, e que seria comandado pelo prefeito Daniel Santos. As empresas teriam pagado propina ao prefeito: compraram bens para a Agropecuária JD Ltda, cujo único dono é Daniel, ou realizaram transferências bancárias, para ajudar a quitar esses bens.
Graças a esse esquema criminoso, Daniel teria adquirido mais de R$ 30 milhões em bens: um avião, que custou R$ 10,9 milhões; 3 fazendas, no município de Tomé-Açu, que somam 3.800 hectares, adquiridas por R$ 16 milhões; uma fazenda de 300 hectares, no município de Aurora do Pará, que custou R$ 1,4 milhão; uma retroescavadeira de R$ 870 mil; e quase R$ 1,2 milhão em óleo diesel.
O DIÁRIO tentou por diversas vezes falar com um representante da construtora Santa Cruz, via telefone e mensagem, mas até o fechamento desta edição não obteve sucesso.

Confira o diálogo:

Para saber mais, acesse a edição eletrônica do jornal Diário do Pará
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar