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Realidade das pessoas trans e travestis em Belém sob o olhar científico

Pesquisa feita por antropólogo paraense mostra como é a relação entre as pessoas transgênero e travestis e o olhar da cidade em relação a elas no cotidiano e quanto isso impacta o ambiente de “normalidade”

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Imagem ilustrativa da notícia Realidade das pessoas trans e travestis em Belém sob o olhar científico camera Gleidson Gomes, autor da tese de doutorado “Olhares da/na ci(s)dade: transexualidades/travestilidades, raça e práticas nos espaços citadinos de Belém ‘em plena luz do dia’”. | Divulgação

Quanto de julgamento um olhar pode carregar? Para pessoas transgênero e travestis que transitam pela cidade de Belém, esses olhares discriminatórios são, infelizmente, parte dos desafios vivenciados cotidianamente. A realidade enfrentada por essas pessoas em um espaço feito para normalizar apenas o cisgênero, foi revelada por uma pesquisa etnográfica desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

O autor da tese de doutorado “Olhares da/na ci(s)dade: transexualidades/travestilidades, raça e práticas nos espaços citadinos de Belém ‘em plena luz do dia’”, Gleidson Gomes, conta que a ideia de pesquisar as relações entre transexualidade, travestilidade e cisgeneridade e o habitar na cidade de Belém surgiu a partir de uma fala de um homem trans negro, o Rafael Carmo. Durante a participação de Rafael em uma mesa de debates, Gleidson atentou para possibilidade de pesquisar o tema que, naquele momento, não era tão conhecido por ele.

“Eu assisti uma palestra com o Rafael Carmo e eu vi a fala dele sobre a questão da transexualidade e a relação com Belém e isso chamou muita atenção. Era um tema muito novo para mim, na época”, recorda. “Em 2018 eu não conhecia quase nada sobre transexualidade e travestilidade. Mas a partir dessa fala dele surgiu a ideia da pesquisa”.

A partir da indicação de Rafael, o antropólogo teve contato com outras pessoas trans que foram entrevistadas para a pesquisa. E para além de ouvi-las, Gleidson pôde acompanhar a rotina delas durante o trânsito pela cidade, uma caraterística da pesquisa etnográfica, que foi a metodologia utilizada pelo pesquisador.

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ETNOGRAFIA

“A etnografia é considerada como um método central da antropologia. E ela consiste no exercício de uma ideia de observação do cotidiano de um grupo social e, dessa observação, também uma análise, uma interpretação dessas observações a partir do que há de teoria dentro antropologia. Como suporte à pesquisa também têm as entrevistas com as pessoas, a utilização de imagens”, explica.

“E quando eu comecei a dialogar com o Rafael a partir da antropologia e, dentro da antropologia, a partir de um campo específico que é a antropologia urbana, eu pude observar essa relação com a cidade com base no que é mais micro nas nossas relações sociais, que é esse cotidiano da própria cidade, que é o nosso ato de caminhar pelas ruas, pelas calçadas, ocupar praças, coisas que a gente faz no cotidiano e que parecem ‘naturais’, mas que na verdade são parte de como se constroem as nossas relações no contexto da cidade”.

Gleidson explica que, quando se trata das pessoas trans e travestis, essas micro relações na cidade acabam complexificadas pela dimensão da identidade de gênero. O que, por vezes, faz com que as pessoas trans se sintam ameaçadas ou sempre colocadas em um lugar de risco de serem violentadas, às vezes, não só fisicamente. A partir da análise dessas micro relações, o que o pesquisador pôde observar é a presença constante de um olhar de julgamento e não pertencimento destinado às pessoas trans e travestis, sobretudo quando transitam pela cidade durante o dia.

“Algo que as pessoas trans falavam muito nesse período e que eu pude observar com a etnografia era principalmente o julgamento das pessoas a partir do olhar. Desse olhar para as pessoas trans e travestis como estranhamento, às vezes um olhar de nojo, às vezes um olhar questionando o que é aquele corpo que está ali ou porque que aquele corpo está ocupando aquele espaço”.

Essa percepção está diretamente ligada a uma interpretação dessa relação entre travestilidade, transexualidade e cisgeneridade, o que Gleidson conceitua como formas de expressão de identidade de gênero que estruturam as relações sociais. E o que a pesquisa pode constatar é que a cisgeneridade – termo que se refere às pessoas que se identificam com o gênero que é atribuído a elas no nascimento – acaba sendo um facilitador no trânsito da cidade, enquanto a travestilidade, transexualidade – termos que se referem a pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento e que fazem uma transição de gênero – enfrenta inúmeros obstáculos. “Eu observei o quanto a cisgeneridade das pessoas é como se fosse um facilitador no nosso trânsito na cidade por conta de uma normativa social. Se você é uma pessoa trans ou travesti, isso vai dificultar um pouco determinados acessos, seja por impedimentos físicos que são impostos, seja por esses impedimentos que são da ordem mais simbólica ou de microgestos, que é esse olhar de desconfiança, de nojo, de repulsa”.

Essa realidade ganha complexidade, ainda, quando se analisa a dimensão racial dessas relações. Se quem transita e interage nesse espaço da cidade é uma pessoa trans ou travesti negra, essa identidade vai implicar também em outras formas de como esses olhares vão se colocar nas relações sociais. “Por exemplo, se é uma mulher trans negra, esse corpo pode ser assediado. Se é um homem trans negro, esse corpo pode ser considerado como um corpo perigoso, um corpo que tem um potencial de periculosidade, do assalto, da violência”, esclarece o antropólogo.

“Com a pesquisa, o que eu pude observar são como essas relações entre a transexualidade, travestilidade e a cisgeneridade implicam no ato de habitar a cidade, caminhar por ela, pegar ônibus, estar em praças, calçadas. O quanto isso implica nas nossas relações e que a gente nem percebe no nosso cotidiano, de modo refletido”.

Gleidson destaca que a percepção acerca desses microgestos só foi possível a partir da pesquisa etnográfica, isso porque, para pessoas cisgênero, na grande maioria das vezes esses olhares de julgamento e preconceito voltados para pessoas trans nem são percebidos. “E essa dimensão dos olhares e dessas violências eu só fui começar a perceber com a própria etnografia, caminhando com as pessoas trans no dia a dia da cidade, pegando ônibus com elas, indo com elas até o local de trabalho, vivenciando com elas a cidade. Só a partir daí que eu comecei a perceber essa dimensão dos olhares, que é o que está no central da tese. Era algo que, enquanto pessoa cisgênero, eu não tinha percepção antes da pesquisa”, pontua. “Na etnografia essa prática se chama ‘observação participante’. Então, eu não estava só observando, mas estava participando com elas do trânsito que elas fazem na cidade e percebendo o quanto isso impacta na própria construção que elas têm enquanto pessoas. Você imagina o que é ter a sua presença julgada ou negada em determinados espaços?”.

Nesta mesma dimensão, Gleidson aponta que as pessoas entrevistadas na pesquisa alertaram para o fato de a cidade e as pessoas cisgênero não estarem acostumados a ver pessoas trans e travestis em plena luz do dia. É algo que pode parecer banal, mas que tem um enorme significado para as pessoas trans, principalmente quando se trata de mulheres trans e travestis. “Historicamente, as mulheres trans e travestis foram empurradas socialmente para a prostituição, marginalizadas. E isso fazia com que, e ainda hoje ainda temos um pouco dessa imagem, as mulheres trans e travestis fossem diretamente associadas sempre à prostituição, como se esse fosse o lugar social delas, o lugar de destino delas e, com isso, é como se elas fossem seres da noite. Daí o estranhamento de ver esses corpos transitando na cidade durante o dia”, contextualiza o pesquisador. “E nisso, as mulheres trans não estão tecendo nenhum tipo de crítica à prostituição. O que está em questão é desconstruir essa imagem, esse lugar social para o qual os corpos trans e travestis foram relegados historicamente”.

Diante de uma cidade preparada, física e simbolicamente, para pessoas cisgênero, o antropólogo constrói um jogo de palavras onde a cidade passa a ser, na verdade, uma cisdade. Um espaço que, por mais que a maioria das pessoas não percebam, carrega uma série de violências e entraves para as pessoas trans e travestis, ainda que isso esteja posto em microgestos. “Essa cidade é construída a partir desse lugar de cisgeneridade, onde inclusive os espaços da cidade são construídos, às vezes fisicamente e outras simbolicamente, a partir dessas nossas relações de gênero, a partir da cisgeneridade. Algo que marca isso muito forte é a questão da utilização de banheiros por mulheres trans e travestis”, relaciona. “E isso nos faz pensar o quanto a gente não toma como referência essa questão da cisgeneridade enquanto um organizador das nossas relações e um delimitador de acesso a esses espaços sociais na cidade, mas essa relação está presente”.

ENTENDA

Trans e Travestis

As pessoas trans e travestis são aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento, daí elas transicionam para o gênero feminino ou masculino, dependendo do que é o gênero atribuído a elas no nascimento.

Cisgênero

A cisgeneridade se refere àquelas pessoas que se identificam com o gênero que é atribuído a elas no nascimento.

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