Mesmo em um cenário já conhecido, o olhar mais atento é capaz de perceber os detalhes de obras de arte que fazem referência a alguma personalidade ou acontecimento da história da cidade de Belém e do Estado do Pará. Ainda que nem sempre estejam no centro das atenções de quem transita pelas praças e avenidas da capital paraense, os monumentos que integram a paisagem da cidade, muitos presentes há séculos no mesmo local, ajudam a conhecer um pouco mais sobre o processo que levou alguns espaços da capital à configuração que se conhece hoje.
A presença de imponentes monumentos em pontos estratégicos de praças e logradouros não é uma característica única de Belém. Dedicado a acompanhar e investigar a expansão e as transformações do patrimônio cultural diante das tecnologias digitais, o projeto de pesquisa “Transcodificações Virtuais e Patrimônio Digital”, ligado à Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenado pela professora da faculdade de Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Patrimônio Cultural da UFPA, Carmen Silva, destaca que “a exemplo das grandes cidades da América Latina, em Belém é possível encontrar expressões artísticas públicas que remetem aos séculos XVII, XVIII, XIX e XX”.
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São monumentos e esculturas em bronze, ferro ou mármore que, segundo registra o projeto, “trazem consigo memórias, valores políticos, celebrações de temas e personagens ligados às estruturas de poder e a própria história do Estado e do País”. Em muitos casos, inclusive, tais expressões artísticas são assinadas por escultores europeus.
No local que ainda no primeiro período do processo de expansão urbana de Belém era conhecido como Largo das Mercês, a enorme estrutura que homenageia o médico José da Gama Malcher foi instalada em 1889. Passados mais de 130 anos, o monumento segue imponente no centro da hoje chamada Praça Visconde de Rio Branco, na Campina.
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Diante da rotina intensa do bairro marcado pela atividade comercial, não é incomum perceber que muitos dos que transitam pela praça deixam passar despercebido o monumento cuja estátua central homenageia o médico que presidiu por diferentes períodos a então Província do Pará e a Câmara Municipal de Belém.
Os olhares atentos dos turistas Verônica Rodrigues e Nicolas Rodrigues, porém, não deixaram de observar a estrutura. Pela primeira vez em Belém, a dona de casa natural de Brasília fez questão de registrar uma foto diante do monumento. “Estou gostando muito da cidade, tem muita praça e monumento histórico aqui. Apesar de eu não saber quem foi a pessoa homenageada aqui, o monumento é muito bonito, então, quis registrar. É uma coisa que eu gosto de conhecer quando eu viajo, a história do local, onde tudo começou”, considerou. “Belém tem muita história e a cidade demonstra isso nas suas construções, nos seus monumentos”, complementa o engenheiro civil Nicolas, natural de Goiás, e que visita Belém pela segunda vez.
Segundo relata Elizabeth Nelo Soares no livro ‘Largos, Coretos e Praças de Belém’, publicação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a estátua central do monumento foi fundida em bronze na cidade de Lisboa e depois trazida a Belém para homenagear o médico. A obra, inaugurada em 1889, é de autoria do escultor belga Armand-Pierre Cattier.
Até hoje é possível encontrar o sobrenome do artista, Cattier, em um dos utensílios que figuram junto ao pescador instalado na base do monumento e também na escultura mais ao alto, que representa o médico homenageado.
Entre as mudanças realizadas no monumento, o álbum ‘Belém da Saudade: A memória de Belém no início do século em cartões-postais’, publicação do Governo do Pará, registra que no final do século XIX o monumento era cercado por uma grade que foi retirada, mais tarde, já sob a intendência de Antônio Lemos.
SAIBA MAIS
Para saber mais sobre as referências desses e de outros monumentos presentes em Belém é possível consultar o site do projeto “Transcodificações Virtuais e Patrimônio Digital”, no endereço monumentosde belem.ufpa.br, onde é possível fazer, inclusive, uma visita virtual aos monumentos.
Monumentos
O álbum de cartões-postais ainda registra outros dois monumentos emblemáticos de uma das praças mais frequentadas da cidade, sobretudo aos domingos, a Praça da República. Bem no centro do largo, tendo o Theatro da Paz ao fundo, está o Monumento à República. A obra de 20 metros de altura tem em seu topo a representação de Marianne, símboslo francês da luta pelo ideal republicano.
A figura imponente da mulher moldada em bronze marca justamente o fato histórico que promoveu a transformação do Brasil de um país monárquico para republicano, a Proclamação da República. A obra foi executada pelo escultor italiano Michele Sansebastiano e inaugurada em 15 de novembro de 1897.
Em um ponto mais adiante da praça, outro monumento que se faz presente no cenário desde 1904 é o Chafariz das Sereias, feito em ferro fundido importado da Europa.
Mais antigo, o Monumento a General Gurjão foi instalado no que hoje é a Praça Dom Pedro II ainda em 1872, há 152 anos. A estátua no topo da construção presta homenagem ao general paraense Hilário Maximiano Antunes Gurjão, que participou da Guerra do Paraguai nas batalhas de Tuiuti e de Itororó, tendo morrido em combate em 1869.
Segundo registro do ‘Álbum de Belém de 1902’, álbum fotográfico da cidade de Belém mandado fazer em Paris pela Intendência Municipal da época e cuja edição integra o acervo de obras raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna, o monumento em bronze executado em Portugal “representa em tamanho natural o intrépido soldado, de pé, na postura e garbo marciaes que lhe eram inatos”.
Ainda que os registros antigos demonstrem que a praça passou por modificações ao longo dos anos e que muita gente já não conheça a história do general que foi considerado ‘herói’ da Guerra do Paraguai, o monumento permanece acompanhando a mudança dos tempos, como tantos outros instalados em diferentes bairros de Belém.
Mas não é só a militares e médicos que os monumentos da cidade prestam homenagens.
Em algumas estruturas também é possível encontrar casos curiosos. No bairro do Umarizal, na praça que popularmente é chamada de Praça Brasil, o monumento central traz a imagem de um indígena de pé, segurando um arco em uma das mãos. Apesar de transitar todos os dias pelo local e até mesmo de usar o monumento como referência para indicar a localização da praça para outras pessoas, o servidor público Daniel Santos, 62, não conhece a história da figura.
“Eu sei que tem esse monumento, mas eu não sei qual a história dele e nem o porquê dele estar aqui. Sempre que as pessoas me perguntam daqui eu uso esse monumento como referência: “é aquela praça do índio” e geralmente as pessoas não sabem qual é porque passam por aqui e não olham pra cima”, conta. “Eu passo nessa praça todos os dias, mas não sei qual é a história desse monumento, mas agora vou procurar porque fiquei curioso. Eu acredito que deva ter alguma relação com a história do descobrimento do Brasil porque nada é por acaso, tudo tem uma história e uma origem”.
O que os registros documentais apontam é que a estátua em bronze representa um indígena guarani e teria sido fundida pelo artista plástico francês J. Maclesset em 1900. De acordo com o livro ‘Largos, Coretos e Praças de Belém’, a estátua “pertencia a particular que doou-a a prefeitura de Belém para ser instalada na praça, o que ocorreu em 1933”. O documento aponta, ainda, que o monumento “simboliza a formação étnica da nacionalidade brasileira”.
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