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Mineração: mulheres assumem grandes máquinas e quebram tabus

Reportagem especial do DOL mostra a importância das políticas de valorização, equidade de gênero e inclusão, e como as mulheres estão conquistando grandes espaços no setor mineral

Imagem ilustrativa da notícia Mineração: mulheres assumem grandes máquinas e quebram tabus camera Elas no comando! Maria Elcione e Odimária conquistam seu espaço e assumem grandes máquinas na mineração. | Emerson Coe/DOL

Lugar de mulher é onde ela quiser! A frase pode até parecer clichê para alguns, mas ela muda de percepção com a trajetória de Odimária Rosário Araújo e Maria Alcione de Castro, mulheres que operam escavadeiras de médio e grande porte na mineração da Hydro Paragominas, no sul do Pará, máquinas pesadas que chegam a pesar 350 toneladas.

Como se não bastasse toda essa potência, elas também são pioneiras, abrindo portas para muitas outras mulheres. Odimária, hoje com 46 anos, foi a primeira mulher a operar uma escavadeira de grande porte na mina e também a funcionária mais antiga da Hydro Paragominas.

Ela, inclusive, chegou à mina junto com os primeiros equipamentos. Agora imagina só um ambiente completamente masculino, rodeado de estereótipos, máquinas que pesavam toneladas... Nada disso intimidou Odimária, que com apenas 30 anos, em 2006, mudou a história dela e abriu portas para muitas outras mulheres que vieram em seguida.

Odimária: máquina de 250 toneladas não provocou medo

Odimária é a pioneira. Não se intimidou e se tornou a primeira mulher a operar uma esvacadeira de grande porte na mina Hydro Paragominas.
📷 Odimária é a pioneira. Não se intimidou e se tornou a primeira mulher a operar uma esvacadeira de grande porte na mina Hydro Paragominas. |Emerson Coe/DOL

De cara, o primeiro desafio foi manusear a primeira máquina na mineração, uma Liber 994, de grande porte, que pesava 250 toneladas.

"Quando eu cheguei aqui eram vários homens. As mulheres que tinham eram do treinamento. Vim para ajudar nesse processo do início da planta e graças a Deus fui muito bem recebida. Não sofri preconceito. Sempre fui elogiada pelos companheiros, pela empresa, então eu me sinto muito honrada por isso. Trabalho numa profissão que gosto, que sempre gostei que é operar equipamentos", destaca Odimária.

Representatividade

Para Karen Santos, socióloga e mestra em ciência política, doutorando em desenvolvimento sustentável do trópico úmido, a presença de mulheres no comando de grandes máquinas representa uma localização do poder, aquilo de mais primitivo e que faz parte do imaginário da virilidade masculina, como a ideia de que ser dominado por uma mulher no campo profissional determina uma fraqueza.

“Há um incomodo muito visível e que faz parte sobre a leveza linguística de qualquer forma de discriminação, exemplo, ‘mulher ao volante perigo constante’, imagina quando se trata do manuseio de grandes máquinas? Isso é importante porque a inferioridade da hierarquia de gênero acaba desqualificando o ser mulher. Errar faz parte do ser humano, mas um homem errando na operacionalização de grandes máquinas na mineração não será recebida da mesma forma que o erro de uma mulher”, alerta a também pesquisadora e professora universitária.

Karen Santos, socióloga e mestra em ciência política, destaca a representatividade das mulheres no comando de grandes máquinas.
📷 Karen Santos, socióloga e mestra em ciência política, destaca a representatividade das mulheres no comando de grandes máquinas. |Divulgação

Apesar de parecerem temas atuais e já discutidos, para Karen Santos, a mineração, especificamente, caminha rumo à adequação, mas ainda precisa desenvolver um ambiente de trabalho com inclusão, diversidade e respeito. Para ela, a mulher ocupar lugares que antes eram mais restritos traz um censo de identificação, representatividade e pertencimento.

“A questão é compreender de que forma isso vem se tornando efetivo. Grande parte da extração de minério brasileiro tem como principal destino o mercado externo, os principais parceiros do Brasil são Estados Unidos, Europa – Reino Unido com mais força – e Japão. Quando se fala em aumento da diversidade no quadro funcional e integração das mulheres na mineração, esses dados econômicos têm total influência. Além das políticas públicas de Estado é necessário o enfrentamento enérgico da desigualdade de gênero na escola, família e espaços sociais. Um problema múltiplo requer ações em diversas frentes”, reforça a mestra em ciência política.

Quebrando tabu: quem disse que é um trabalho de homem?

Odimária foi a primeira mulher a operar uma esvacadeira de grande porte na Hydro Paragominas.
📷 Odimária foi a primeira mulher a operar uma esvacadeira de grande porte na Hydro Paragominas. |Emerson Coe/DOL

Há 23 anos na profissão, Odimária tem consciência da importância na sua representatividade no setor de operação de máquinas da Hydro.

"É uma satisfação muito grande ver várias mulheres iguais a mim aqui na empresa, fazendo o mesmo serviço que um homem faz. Eu sinto muito orgulho do meu trabalho e estar ao lado de tantas profissionais incríveis. A minha experiência aqui foi muito boa, as pessoas me acolheram muito bem e a cada dia eu fui aprendendo com cada um e aprendendo cada vez mais", celebra.

Veja como foi:

"De um tempo pra cá eu percebi que a empresa está dando mais oportunidades para as mulheres engajarem nesse processo de trabalho. São trabalhos diferentes, dos quais muitas mulheres não têm conhecimento e experiência e a empresa está dando essa oportunidade. É muito bacana ver mulheres crescendo, sendo valorizadas, somando, todos têm a ganhar", ressalta.

Programas garantem diversidade e inclusão

Ao longo da sua história na mineração, Odimária diz perceber uma grande evolução na área de diversidade e inclusão, mas para ela, ainda há muito o que ser conquistado.

"A empresa tem metas, com mulheres trabalhando na liderança, nas operações, mas também é um caminho muito longo a percorrer, um desafio a ser enfrentado pela frente, mas a Hydro vem caminhando com muito êxito nesse processo", reforça.

Assista ao vídeo:

A professora e pesquisadora Karen Santos destaca que o maior desafio da inclusão dentro das empresas não é o nível de qualificação - inclusive muitas mulheres têm alto nível de especialização na área - mas o entrave relacionado a mentalidade machista, o assédio e a naturalização dos abusos psicológicos.

“As empresas têm um papel obrigatório de garantir um ambiente de trabalho respeitoso. No Brasil, a exploração dos recursos minerais é monopólio da inciativa privada, logo a boa gestão de pessoas como capital humano é essencial no desenvolvimento e no fomento à diversidade. Portanto, é necessário compreender que lucro em uma sociedade caótica não gera solidariedade. Partindo dessa premissa, as interações em sua maioria pautadas pela diversidade, precisam responder as razões objetivas de sobrevivência. É preciso criar uma estrutura ativa e permanente de comprometimento com as ações de inclusão de gênero, de forma responsável e diversa”, opina.

Mulheres que representam e inspiram

E promover justamente a inserção de mulheres em suas operações tem sido um dos compromissos da Hydro em sua estratégia de diversidade. Em 2022, 46% das pessoas contratadas pela empresa se identificaram com o gênero feminino. No entanto, a meta global é aumentar a representação desse público em suas equipes.

"Tiveram muitas mudanças. Quando eu entrei haviam algumas mulheres, mas era a minoria. Hoje já está praticamente 25%, com a empresa efetivando mulheres. Isso é muito bom para nós que queremos trabalhar nessa área da operação. Eu me sinto feliz por estar aqui participando desse processo. É um trabalho que não é qualquer pessoa que pode fazer e nós estamos aqui, ganhando o nosso espaço no dia a dia", celebra a operadora.

Odimária e Maria Elcione representam e inspiram numa grande empresa de mineração do Pará.
📷 Odimária e Maria Elcione representam e inspiram numa grande empresa de mineração do Pará. |Emerson Coe/DOL

Odimária não inspirou apenas outras mulheres. Através da sua força, capacidade, conhecimento e vontade de conquistar novos espaços, ela também acabou incentivando o filho Daniel Gabriel Araújo, de 31 anos, que hoje trabalha na mesma função que a mãe, atuando como operador de trator D11 e caminhão fora de estrada.

Acompanhe:

Maria Elcione é outra grande potência na Hydro. Ela entrou na mineração quando tinha apenas 19 anos. Hoje é a única mulher a operar uma escavadeira de grande porte – a maior das escavadeiras na mina - na mineração Paragominas.

Veja aqui a trajetória dela:

Mãe de uma menina de 11 anos, ela também é a única mulher a operar uma dragline - máquina de grande porte projetada para atender as difíceis condições em ambientes de mineração - na Hydro Paragominas. Confira:

“Provavelmente, eu também sou a única a operar uma dragline de mineração no Brasil. Ela tem um peso de aproximadamente 350 toneladas e uma lança de cerca de 43 metros. É um desafio muito grande e eu gosto disso. Tem que ter coragem”, avisa Maria Elcione.

Assista:

No Brasil, o programa Diversidade, Inclusão e Pertencimento está atuando em todas as áreas e diferentes frentes da companhia. A empresa vem abrindo vagas afirmativas, por meio da criação de um programa de trainee voltado especificamente para pessoas que se identificaram com o gênero feminino e com os programas de Estágio e Jovem Aprendiz com, no mínimo, 50% de mulheres entre os selecionados. Além disso, a Hydro também vem investindo na capacitação da mão-de-obra feminina nas localidades próximas às suas operações.

"Estamos promovendo profissionais internamente nas operações de nossa refinaria Alunorte e Albras, em Barcarena, e a proposta é que estas mulheres que foram capacitadas pelo Senai ocupem vagas das mulheres que foram promovidas. Das 84 formadas, 19 já foram contratasse este banco de talentos continuará sendo nossa referência de contratação na região", destaca Nelia Lapa, vice-presidente de RH, Comunicação, Saúde e Segurança da Hydro no Brasil, que reforça que "o setor industrial é majoritariamente masculino, inclusive na indústria do alumínio, mas estamos trabalhando para mudar este quadro".

Vice-presidente de RH, Comunicação, Saúde e Segurança da Hydro no Brasil reforça a importância de programas que promovam a equidade, inclusão e diversidade.
📷 Vice-presidente de RH, Comunicação, Saúde e Segurança da Hydro no Brasil reforça a importância de programas que promovam a equidade, inclusão e diversidade. |Divulgação

Acolhimento e valorização

Outro programa desenvolvido pela Hydro é a abertura de vagas específicas para mulheres engenheiras nas áreas de Mecânica, Elétrica, Civil, Automoção, Química ou Produção. Segundo dados da companhia, ao todo, 14 mulheres foram contratadas por meio do programa, não sendo necessário ter experiência prévia na área para participar do processo seletivo.

"Não adianta trazer essas profissionais se elas não se sentirem acolhidas e valorizadas pela empresa. Por isso, o programa tem como premissa básica o acompanhamento e o desenvolvimento das pessoas que se identificam com o gênero feminino. Sabemos que esta jornada está apenas no começo", reforça Nelia.

Mineração: mulheres assumem grandes máquinas e quebram tabus
📷 |Emerson Coe/DOL

O feminismo na inclusão no setor mineral

Para a socióloga e mestra em ciência política Karen Santos, o feminismo como movimento vem articulando há tempos projetos inclusivos de sociedade, que tiram a mulher da presença coadjuvante e a coloca num patamar de destaque, em um cenário igualitário.

“O machismo não é tão somente estrutural, mas organizacional. Se ele é “onipresente” em todos os espaços de interação, o enfrentamento precisa ser multidimensional, partindo do Estado, das empresas privadas, do associativismo, das entidades de classe, das relações formais e informais. Ações efetivas que compreendam punição, mas também ações educativas que possibilitem o diálogo e a superação das desigualdades de gênero”, reforça.

Maria Elcione é mãe de uma menina de 11 anos e a única mulher a operar uma máquina de grande porte na Hydro Paragominas, atualmente
📷 Maria Elcione é mãe de uma menina de 11 anos e a única mulher a operar uma máquina de grande porte na Hydro Paragominas, atualmente |Emerson Coe/DOL

Em termos históricos, a ocupação das mulheres esteve vinculada ao ambiente doméstico familiar, e para estatística a “economia do cuidado” não conta como valor de mercado. Mas, para a professora e pesquisadora, é justamente a reprodução social do cuidado, a responsável por formar a mão de obra trabalhadora.

“No campo específico do trabalho externo houve uma mudança significativa nas ocupações femininas. De 1872 a 2010 temos uma forte divisão sexual do trabalho, as mulheres maciçamente ocupando o serviço doméstico, enquanto que os homens dominavam o setor da construção civil. O que altera essa dinâmica ao longo do tempo é o acesso das mulheres à escola, ensino básico, médio e universidades. Contudo, a vantagem educacional não rompe completamente a desigualdade profissional, principalmente quando comparamos rendimentos entre os gêneros e as barreiras aos cargos de gerência e direção. Além do que é necessário pensar uma cartografia que localiza essa mulher, já que não é uma categoria homogênea. Mulheres pretas têm mais dificuldade em se inserir no mercado formal do que mulheres brancas, por exemplo”, destaca Karen.

Maria Elcione opera uma dragline 9 na mineração, que pesa 350 toneladas. É a única do Brasil.
📷 Maria Elcione opera uma dragline 9 na mineração, que pesa 350 toneladas. É a única do Brasil. |Emerson Coe/DOL

A especialista enfatiza que ainda são muitos os campos de atuação que necessitam da presença de mulheres de forma igualitária, respeitosa e condizente com a sua capacidade de produção, como por exemplo, a presença de mulheres liderando. Para Karen, essa é uma das formas de construção e efetivação de agendas significativas, seja no espaço público ou no âmbito privado.

“Quando se fala de presença vai muito mais além da presença coadjuvante. Para que o ciclo da desigualdade seja quebrado é necessário que o cenário onde isso ocorre seja transformado. O direito e a dignidade no mundo moderno são construções políticas, que por sua vez se transformam em direitos individuais e coletivos. Mais que o discurso de “minoria”, já que as mulheres correspondem a mais de 52% do eleitorado brasileiro, é necessário observar essa agenda como uma discussão da própria ideia de democracia. Não existe igualdade política sem condições de exercício da autonomia subjetiva”, conclui Karen Santos.

Reportagem: Andressa Ferreira

Edição: Kleberson Santos

Edição de vídeos e multimídia: Emerson Coe

Coordenação Sênior: Ronald Sales

Coordenação Executiva: Mauro Neto

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