Da noite do último dia 1º de abril até o próximo dia 1º de maio, cerca de dois bilhões de muçulmanos de todo o mundo, segundo estimativa do Instituto Pew Research Center, celebram o Ramadã. O mês sagrado para os fiéis é o nono do calendário lunar islâmico, período em que o Alcorão, livro sagrado da religião islâmica, foi revelado ao profeta Muhammad. Os 30 dias são considerados de jejum e oração e bastante esperados pelos religiosos. Para se ter uma ideia da importância, até mesmo a coalizão militar liderada pela Arábia Saudita e que apoia o governo do Iêmen, declarou cessar-fogo contra os rebeldes houthis por conta disso.

No Pará, o médico egípcio Younis Fathi, 53 anos, é chefe religioso da Associação Islâmica de Belém, com cerca de 50 membros e seis anos de existência. Unindo pela religião os muçulmanos que moram no Estado e que são originários do próprio Brasil, ou de outras nações, como Tunísia, Marrocos, Iêmen, Uganda e Senegal. Eles residem não apenas na capital paraense, mas em cidades como Breves e Abaetetuba. “A Associação está tentando ajudar e juntar os muçulmanos aqui, mas o que nos reúne é o Islã. É uma irmandade. Se alguém tem alguma necessidade, obstáculo, a gente tenta ajudar”, pontua.

Sobre o Ramadã, Younis explica o que o período representa. “Nesse mês específico, está escrito no livro sagrado, o Alcorão, que é obrigatório fazer jejum. Isso começa a partir da adolescência, por volta dos nove anos, quando a pessoa já aprende o que é o jejum, até a idade que se conseguir”, explica. “O jejum começa de madrugada e segue até o anoitecer, por volta de 18h20, em Belém”, detalha.

Younis Fathi
📷 Younis Fathi |Irene Almeida / Diário do Pará

“Nesse período, não se pode comer nem beber, nem ter relações sexuais. À noite você pode comer, beber, ficar com sua esposa, até às 5h da manhã. Isso durante os 30 dias, até aparecer a lua nova”, explica, sobre o período que sempre apresenta uma variação de datas, de acordo com o calendário lunar. “O mês do Ramadã, na religião islâmica, é o quarto pilar do Islã. São cinco pilares. O primeiro testemunha que não há divindade além de Allah (é a Shahada). O segundo é a oração, a Salaha, são cinco por dia. O terceiro é a caridade compulsória (Zakah), como o dízimo na religião cristã; o quarto é o Ramadã, um mês de alegria”, assegura.

“Todo muçulmano faz jejum (Sawm) no mesmo horário. As recompensas são muito grandes, a gente fica juntos, come juntos, reza juntos. É um mês de felicidade para nós”, completa o egípcio. O quinto pilar é que, ao menos uma vez na vida, todo muçulmano que tenha condições físicas e financeiras deve peregrinar até a cidade sagrada, Meca, na Arábia Saudita.

Apesar de ser um período de jejum, abstinência e oração, o mês sagrado não significa que os muçulmanos não possam desenvolver suas atividades rotineiras como os afazeres domésticos e o trabalho. Ao contrário, isso tudo permanece normalmente. “A vida continua. Não há nada específico, é jejum e felicidade. O resto é normal”, pontua Younis.

O líder religioso faz questão de comentar o preconceito ainda existente contra os muçulmanos, por parte da sociedade. “O Islã é uma religião aberta, a gente vive no Brasil, um país cristão, temos vizinhos de muitas religiões, católicos, evangélicos, espíritas. Todos se respeitam. Isso é muito legal no Brasil, um país laico para tudo”, elogia.

“As pessoas não conhecem, só sabem o que Hollywood manda, que somos terroristas (risos). É uma ideia errada que o cinema mandou para todo o mundo. Como em qualquer outra religião, tem malucos, mas são apenas 2%, os outros 98% são normais”, comenta Younis, com bom humor sobre o estereótipo que muitos têm sobre eles.

CENTRO ISLÂMICO

Além da Associação Islâmica, em Belém também existe o Centro Islâmico Cultural do Pará, presidido pelo Imam da Mesquita Ar-Rhamah, Said Mounsif, um muçulmano árabe do Marrocos. O espaço é filiado à Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras). A esposa de Said, a brasileira Wania Mounsif, 54 anos, também participa do Ramadã, período reiterado também por ela como de muita alegria para todos.

Wania Mounsif
📷 Wania Mounsif |Irene Almeida / Diário do Pará

“Gostamos de receber em casa irmãos, da comunidade, pra fazer um jantar, na quebra do jejum, também recebemos familiares”, ressalta. “É como se a cada dia estivéssemos celebrando o sinal de jejum e agradecendo a Allah. É aquele momento de reflexão, que a gente tenta pensar e sentir como é o outro ser humano que não tem o que comer. Como ele se sente estando com fome. Você sente na pele, por isso é o mês da caridade”, observa.

Segundo Wania, “as crianças ficam muito felizes, começam a ver esse período de uma forma diferente, com comidas diferentes, coisas gostosas, sopas com aromas diferentes e são 30 dias”, destaca. “Ao final do Ramadã, no dia seguinte, tem a festa, oração de congratulação com os irmãos, amigos, parentes, todo mundo na mesquita”, ilustra. “Quando termina, fazemos um almoço para agradecer a Allah por ter pedido perdão dos nossos pecados, orações, sermão. Damos presentes para as crianças”, completa. “E as pessoas de outras religiões são bem-vindas. É bom que aproveitam para se informar como são nossos costumes”.

De acordo com Ali Zoghbi, vice-presidente da Fambras, o Ramadã “é um momento de transformação pessoal, a partir de reflexões e momentos de comunhão com Deus”, ressalta. “A fome, consequência do jejum, tem a finalidade de aproximar os muçulmanos da realidade dos mais necessitados. É por isto que, neste mês sagrado, são comuns a distribuição de alimentos e a prática de atos de caridade. É justamente o que o Islã prega: compaixão pelo próximo e amor”.

O Ramadã também convida os muçulmanos a intensificar suas orações e a congregar com os demais fiéis. “São muito comuns as orações noturnas nas mesquitas para, em seguida, fazer a quebra do jejum, o Iftar - um ritual iniciado, geralmente, com o degustar de tâmaras”, detalha Zoghbi.

José Mangoni: “O Ramadã é considerado o mês do perdão”

Professor de Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará (Uepa), José Roberto Mangoni destaca alguns pontos importantes para entender o Ramadã e o Islamismo.

📷 Professor José Mangoni |Divulgação

MUÇULMANO

Muçulmano é o seguidor do Islã ou Islamismo.

IMPORTÂNCIA DO RAMADÃ

“Sua importância vem da fé dos islâmicos de que, nesse mês, o arcanjo Gabriel desceu do céu com a mensagem de Allah para Muhammad: o Alcorão. Essa revelação teria ocorrido em 610, e a base da revelação está na afirmação ‘não existe nenhum deus além de Allah, e Muhammad é seu profeta’. Essa oração resume o credo islâmico”.

VIVÊNCIA

“O Ramadã é vivido com um intenso jejum, que dura o mês todo. Apenas estão dispensados do jejum: doentes, idosos, crianças, mulheres grávidas ou amamentando e pessoas em viagem. É considerado também o mês do perdão, a oportunidade de se reconectar a Allah e, assim, se tornar pessoas melhores. O Ramadã é encerrado por uma celebração que dura três dias, onde há festa e de partilha de alimento; também ocorre troca de presentes. Em alguns países é feriado”.

JEJUM

“É importante destacar o sentido que dão ao jejum: jejuar obriga a pessoa a pensar, ensina a autodisciplina e sublinha a dependência da criatura a Deus, pois nos faz lembrar nossa fragilidade; o jejum também sensibiliza à compaixão: uma pessoa que jejuar 29 dias por ano será mais sensível a um faminto que se aproxima dele”.

RELAÇÃO DO ISLAMISMO COM OUTRAS RELIGIÕES

“O Islamismo tem uma relação direta com o judaísmo e o cristianismo. Grande parte dos grandes personagens do judaísmo e do cristianismo estão presentes no Alcorão, o livro sagrado. É uma religião de profecia e revelação. Aceitam muitas profecias e revelações presentes na Bíblia Hebraica e no Novo Testamento, e compreendem que Allah (Deus) se revela na história, e sempre envia profetas quando Sua mensagem é esquecida. Assim são Noé, Abraão, Jesus, Maria... Por fim, enviou Muhammad, que em português foi traduzido por Maomé. E revelou a ele o Alcorão, o ‘milagre permanente de Allah’. Este deve ser sempre recitado em Árabe, e os muçulmanos relutaram por tempo a traduzir o Alcorão para as línguas locais, pois a tradução poderia não refletir o que o Alcorão realmente é”.

MUHAMMAD

“Importa dizer que, para os muçulmanos, Muhammad não é o fundador do Islamismo, pois este é eterno. A maior importância do profeta Muhammad é ter sido escolhido para ser o instrumento escolhido por Allah para ouvir e transmitir o Alcorão”.

ORIGEM DO ISLAMISMO

“A origem do Islamismo se deu em 16 de julho de 622 do calendário gregoriano, quando, na ocasião, Muhammad consegue fugir para Medina da perseguição dos que queriam matá-lo, pois ele queria acabar com o politeísmo e instalar o monoteísmo em Meca (Arábia). E esse é o ano 1 do calendário Islâmico. Assim, estamos, aproximadamente, no ano 1444 do seu calendário, onde a contagem dos dias difere do calendário gregoriano, pois é lunar, tendo 11 dias a menos que o calendário solar”.

CURIOSIDADES DO RAMADÃ

- A data do início e do término do Ramadã varia a cada ano. Ela é definida conforme o posicionamento da lua. O mês sagrado se inicia no nono mês do calendário lunar islâmico;

- Ramadã, em árabe, significa “a terra quente e ensolarada”. O nome de cada um dos meses do calendário lunar árabe foi definido com base nos fatos históricos e mudanças climáticas que os caracterizavam. E esta descrição define o nono mês;

- O final do Ramadã é marcado pela maior festividade do calendário muçulmano, a Eid al-Fitr. Na quebra final do jejum, os muçulmanos vestem suas melhores roupas, enfeitam suas casas e oferecem alimentos a outros membros da comunidade.

Fonte: Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras)

SERVIÇO

CENTRO ISLÂMICO CULTURAL DO PARÁ

Endereço: Rua Ferreira Cantão, 213 – Campina

ASSOCIAÇÃO ISLÂMICA DE BELÉM

Endereço: Rua Fernando Guilhon, 1302, Casa 04, Alameda Maranata.

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