Simone de Souza Menezes, 44, vive com a filha e o marido à beira do rio Mutuacá, na Ilha de Marajó (PA), na casa para que se mudou com o companheiro há cerca de 30 anos, quando se casaram. Eles vivem com cerca de R$ 150 por mês, inteiramente dedicados à compra de alimentos. Por isso, a família não consegue comprar itens de higiene menstrual, como absorventes.
Quando a menstruação chega, as mulheres da casa recorrem a pedaços de pano. "Nós não temos o dinheiro para comprar, então a gente já tá acostumada a usar o pano", conta Menezes. Os tecidos ora são lavados para serem reutilizados, ora descartados e substituídos. Sem banheiro e água encanada, os moradores da região tomam banho, lavam as roupas e a louça nas águas do rio.
Com renda insuficiente para todas as despesas da casa, complementam a alimentação por meio da pesca e da caça de animais. A falta de dinheiro, acesso a comércios e saneamento básico adequado para os cuidados necessários durante o período menstrual colocam Simone e sua filha, Jéssica, 23, dentro do espectro da pobreza menstrual.
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O fenômeno, intensificado em regiões de extrema pobreza, é entendido como a falta de acesso de mulheres e de homens transexuais, por exemplo, a produtos de higiene menstrual, saneamento básico adequado e conhecimento suficiente para lidar com a menstruação.
Para chegar a uma área onde Menezes e outros ribeirinhos encontrariam farmácias e outros comércios, como a região central do município de Curralinho, também na Ilha de Marajó, são cerca de duas horas de barco. Nos afluentes do rio Pará, onde parte da população vive, qualquer estabelecimento é raro. Para comprar itens de higiene menstrual, quando possível, os moradores vão até vendinhas em comunidades próximas, no meio do caminho para o centro da cidade. Dependendo da embarcação, são cerca de seis horas de barco de Belém, capital do Pará, até Curralinho.
A cidade de cerca de 35 mil habitantes tem o visual marcado por casas de palafitas que se confundem com a vegetação e as águas dos rios.
A região Norte do país é uma das mais afetadas pela pobreza menstrual. Segundo dados da pesquisa "Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil", feita pela marca Always em parceria com a plataforma de pesquisas Toluna, 36% das mulheres na região já passaram por períodos em que não puderam comprar produtos de higiene menstrual. Em segundo lugar está o Nordeste, com 33%.
Para esse levantamento foram entrevistadas por meio de um questionário online 1.124 mulheres de 16 a 29 anos, em todas as regiões do Brasil, entre 20 de fevereiro e 6 de março de 2020. O Norte também é a região onde as mulheres mais faltaram às aulas por não terem dinheiro para comprar absorventes, representando 36% do total, segundo o levantamento.
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O Centro-Oeste tem a segunda maior marca nesse problema, com 30%.A pesquisa mostra ainda que, na ausência de absorventes, 80% das brasileiras usam principalmente o papel higiênico. Os tecidos aparecem como substitutos para 24% no país. Já no Norte, onde o cenário é mais crítico, o percentual de uso de panos salta para 53%.
Outro estudo sobre o tema, realizado pela marca Sempre Livre, mostra que a região Norte, além de a mais afetada pela pobreza menstrual, é a que possui o saneamento básico em condições mais precárias. Tem o maior número de lares (36%) onde a água é proveniente de poço ou nascente, assim como o maior número de residências com fossa (55%).
Fazia cerca de cinco anos que Maria Gonçalves Pastana, 47, não menstruava quando teve uma hemorragia. Sem absorventes disponíveis, a solução para conter o sangramento foi encontrada em pedaços de pano retirados de redes de dormir. Ao final do ciclo, ela costuma queimar os retalhos no fundo de sua casa.
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Pastana vive à beira do rio Tamaiuiu, a cerca de uma hora de barco do centro de Curralinho, com quatro filhos e o marido. Vivem com cerca de R$ 400 por mês. Priorizam a compra de alimentos, mas também tentam comprar absorventes para Camila, uma das filhas do casal. Mesmo quando menstruava regularmente, a mãe já abdicava do produto para que a menina pudesse usar. Da última vez, não foi diferente. "Não tinha nem condições, porque tinham outras coisas para gente comprar. Aí o jeito era eu usar pano mesmo. Eu usava mais pano de rede porque é mais macio do que outros panos de malha", conta.
Para amenizar a falta de acesso aos itens de higiene menstrual, o grupo Mulheres Livres, composto por 29 mulheres de Curralinho, faz entregas periódicas de absorventes e outros itens em kits de higiene. O grupo foi fundado em novembro de 2020 como resposta ao feminicídio de Leila Arruda, candidata à prefeitura do município pelo PT, que foi assassinada a facadas pelo ex-marido. Cada kit possui absorvente, desodorante, barbeador, sabonete, escova de dente e creme dental.
O grupo aproveita os encontros em que os produtos são distribuídos às moradoras para falar sobre assuntos que afligem mulheres da região, como a violência doméstica. "Logo após o feminicídio dela [Leila Arruda] nós fizemos um ato de protesto, pedindo por Justiça. Depois desse ato, a gente viu que não dava só para protestar quando uma mulher morresse. A gente tinha que ter ações voltadas para salvar mulheres de relacionamentos abusivos e tentar evitar o feminicídio", conta Cibelle Natália Santos, fundadora do grupo.
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Em uma visita à comunidade Três Bocas, no rio Mutuacá, a cerca de duas horas da região central do município, o grupo reuniu, por exemplo, em torno de 80 mulheres e adolescentes. Após duas horas de discussão, as lideranças saíram de barco em direção às casas de ribeirinhas que não puderam comparecer ou não sabiam do encontro, dando informações sobre seu trabalho, distribuindo o kit e mostrando como identificar e denunciar casos de violência doméstica.
Celia dos Santos foi uma das que receberam o kit de higiene do grupo. Ela, os nove irmãos e os pais moram em uma casa no alto do rio Mutuacá. Vivem com a renda que o pai faz colhendo açaí e vendendo madeira. Fora da época de colheita dos frutos, complementam a alimentação com a caça de animais como macaco e bicho-preguiça.
Assim como as outras quatro irmãs, Celia utiliza pedaços de pano como absorvente. Uma vez usado, costuma jogá-lo fora – prefere pegar outro a lavar e reutilizar. Sem banheiro em casa, faz a higiene pessoal às margens do rio.
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Para Ana Paula Gonçalves, mestre em saúde pública e professora da Faculdade de Enfermagem da UFPA (Universidade Federal do Pará), ainda que haja diversas causas para a pobreza menstrual –como falta de acesso a itens de higiene, saneamento básico e informação– a pobreza é o principal motor desse problema. A professora afirma que políticas públicas nacionais seriam bons recursos para mitigar os efeitos da pobreza menstrual mesmo em áreas mais afastadas, como as comunidades ribeirinhas da região Norte.
Esse seria o caso do projeto de lei vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em outubro de 2021. Ele previa a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda matriculadas em escola públicas, mulheres em situação de rua, em extrema vulnerabilidade, presidiárias, apreendidas e cumprindo medidas socioeducativas.
Ao vetar a distribuição, o governo federal alegou que os artigos do projeto não indicam a fonte de custeio ou medida compensatória, o que violaria a Lei de Responsabilidade Fiscal. O veto ainda será analisado pelo Congresso.
Para Gonçalves, além da entrega gratuita de absorventes, as medidas para mitigar a pobreza menstrual devem mirar na isenção de impostos em itens de higiene relacionados à menstruação. "A gente também torce para que todos esses projetos de lei que estão sendo estruturados realmente consigam fazer a instauração de políticas de conscientização acerca da menstruação e da universalização do acesso ao absorvente, seja no SUS, nas escolas ou em unidades mais longínquas, como distritos e prefeituras", afirma.
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