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HISTÓRIA

Severa Romana: conheça o mito e a realidade da santa popular

Tida como santa popular, Severa Romana foi assassinada há 121 anos, no dia 02 de julho de 1900. Infelizmente, ainda hoje as mulheres continuam sendo vítimas dos mais diversos tipos de violência

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Imagem ilustrativa da notícia Severa Romana: conheça o mito e a realidade da santa popular camera Imagem de Severa Romana | Irene Almeida/Diário do Pará

As flores coloridas que contrastam com a pintura branca da sepultura deixam evidente a manutenção do ritual em homenagem à mulher tida como santa popular. Na imagem já bastante desgastada pelo tempo e encravada no centro do crucifixo, o que se vê é a figura de Severa Romana, uma mulher de vida simples que viveu e foi morta na Belém no início do século XX. Mas qual será a conexão existente entre a história que gerou enorme comoção popular há mais de um século e os dias atuais?

A resposta a esse questionamento pode ser encontrada nas páginas amareladas do processo de julgamento do assassinato de Severa Romana, documento que integra o acervo do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE-PA) e que é salvaguardado pelo Centro de Memória da Amazônia (CMA), instituição ligada à Universidade Federal do Pará (UFPA). Nas páginas escritas à mão, o documento detalha o violento crime cometido contra uma mulher há 121 anos, mas que não difere muito das práticas infelizmente registradas ainda hoje contra as mulheres no Brasil.

Imagem de Severa Romana
📷 Imagem de Severa Romana |Irene Almeida/Diário do Pará

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O assassinato de Severa ocorreu no dia 02 de julho de 1900, na própria casa em que ela morava na rua João Balbi, em uma época em que o bairro do Umarizal era considerado uma região quase isolada. Severa era uma pessoa comum, casada e que trabalhava como lavadeira, além de ser a responsável por servir as refeições aos moradores da residência em que vivia com o marido, Pedro Cavalcante de Oliveira.

Em uma relação típica da época, quando era comum que, por motivos financeiros, pessoas se juntassem em alguns espaços mais baratos para sobreviver, o casal dividia o local de morada com outras pessoas, dentre elas o cabo Antônio Ferreira dos Santos, que viria a ser o assassino de Severa Romana.

Segundo detalha o processo, em uma das ocasiões em que Antônio Ferreira dos Santos estava almoçando na casa, o cabo cometeu uma tentativa de abuso sexual contra Severa e, diante da resistência da mulher que passava pelos últimos períodos de uma gestação, acabou matando-a com golpes de navalha.

Uma das testemunhas ouvidas no processo, a parteira Joanna Maria Gadelha, proprietária e também moradora da residência, se encontrava no quintal da casa no momento e ouviu os gritos de Severa. Ao chegar na sala, porém, já encontrou a mulher caída ao chão. “Perguntando ao denunciado presente o que elle havia feito a infeliz Severa elle enfezado respondeu a ella testemunha que se retirasse porque senão far-lhe-ia o mesmo”, registra o documento a respeito do depoimento de Joanna.

Severa Romana: conheça o mito e a realidade da santa popular
📷 |Irene Almeida/Diário do Pará

Outra testemunha, o vizinho José do Patrocinio da Costa Santos relata que, ao chegar ao local do crime após ouvir os gritos, percebeu que o cabo Antônio Ferreira dos Santos corria em direção à travessa 14 de Março, em fuga, perseguido por diversas pessoas. A indignação popular contra o assassino fica evidente, ainda, em outro trecho do processo que registra um tumulto ocorrido já no dia do julgamento.

Ao chegar no prédio, levado pela polícia, o assassino de Severa Romena foi alvo de xingamentos por parte de um grande grupo de pessoas que se reuniam em frente ao local e que bradavam “fora a fera fardada”.

Na tentativa de livrar o cabo da condenação, a defesa fez uso de uma prática que infelizmente ainda hoje é vista nas falas de criminosos que cometem crimes contra mulheres: difamar a moral da vítima na tentativa de culpá-la pela própria morte. Felizmente, o processo de julgamento do cabo Antônio Ferreira dos Santos culminou, em outubro de 1902, na sua condenação a 30 anos de prisão pelo assassinato de Severa Romana.

A comoção popular pela forma como a mulher foi morta foi tão grande, que os jornais da época que acompanharam o caso relatam a realização de uma coleta para a construção da sepultura de Severa, no Cemitério de Santa Izabel. A edição do dia 11 de agosto de 1900 do jornal O Pará relatava a existência de um ofício dirigido à Intendência pela Sociedade Beneficente Santa Rita dos Impossíveis no qual a referida associação “no mesmo movimento de sympathia e piedade que ora agita a imprensa e a população d’este município, pede que seja, independentemente de ônus, cedida ao soldado do 15º batalhão de infantaria, Pedro Cavalcanti, a sepultura em que descansam os despojos de sua esposa, Severa Romana, infeliz mulher barbaramente assassinada na noite de 2 do corrente por um cabo de esquadra do aludido batalhão”.

Processo do julggamento do assassinato de Severa Romana que poder ser consultado
📷 Processo do julggamento do assassinato de Severa Romana que poder ser consultado |Irene Almeida/Diário do Pará

“Falar de Severa é repensar o hoje”

O entendimento de todo esse processo que culminou na atribuição do título de santa popular à Severa só foi possível através da salvaguarda e catalogação da documentação do processo criminal que julgou o caso. Além dele, outros muitos processos integravam o arquivo inativo do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, documentos que, além de rememorar as relações e as formas de organização da sociedade no passado, são capazes de trazer reflexões importantes para o presente.

O historiador e membro do Grupo de Pesquisa RUMA, da Universidade Federal do Pará (UFPA), Antônio Otaviano Vieira Júnior, estava à frente da direção do Centro de Memória da Amazônia (CMA) quando a documentação de Severa Romana foi identificada e destaca a relevância do documento não apenas como fonte de estudo para pesquisadores e historiadores, mas principalmente para a sociedade.

“O que se vê aqui não é o passado, esse processo não fala de uma mulher do começo do século XX, mas das mulheres e dos homens hoje”, considera. “Quando a gente fala em Severa Romana, a gente está falando da realidade de milhares de mulheres no mundo inteiro e em especial no nosso país e no nosso Estado que são assassinadas e violentadas das mais diversas formas: moralmente, fisicamente, socialmente, politicamente. Então, Severa é um bastião de resistência. Falar de Severa é repensar o hoje”.

Ainda que crimes contra as mulheres existam há séculos e em diferentes sociedades em todo o mundo, a tipificação do crime de feminicídio ocorreu há apenas seis anos no Brasil. Exatamente por isso, a publicização de documentos históricos como os do caso Severa Romana tem o potencial de fomentar debates importantes sobre a urgência de se combater a violência contra a mulher, sobre o feminicídio e sobre os meios legais que a sociedade dispõe, hoje, para tentar combater esses crimes, como é o caso da própria Lei Maria da Penha.

MULHERES

“Em 1900 o homem jamais imaginava que existiria um equipamento como o celular que temos hoje. Mas um homem de 1900, hoje, reconheceria muitos dos crimes contra as mulheres que ainda são registrados”, relaciona o professor Antônio Otaviano Vieira Júnior. “Se a gente conseguiu evoluir tecnologicamente de uma maneira tão extrema, socialmente e culturalmente ainda não conseguimos. Ainda somos ou ainda estamos muito próximos dos homens de 1900. Esse crime de 1900 está muito próximo de 2021”.

Centro de Memória da Amazônia

Atual diretora do Centro de Memória da Amazônia (CMA), a historiadora Magda Ricci destaca que um centro de memória nunca é pleno se não tiver gente que o use. E esse uso não deve servir apenas à pesquisa acadêmica, mas também à sociedade.

Diversas questões ligadas à cidadania estão muito presentes no Centro de Memória da Amazônia, na medida em que a sua própria formação está atrelada à parceria que objetivou garantir a manutenção de uma documentação histórica importante do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Com o passar dos anos, outros acervos foram acrescentados ao originário e também estão sobre a salvaguarda do centro. Além de preservar, o Centro de Memória também mantém o trabalho de pesquisa e catalogação desse material, sendo que alguns deles já se encontram disponíveis no site da instituição.

“O Judiciário tem essas duas grandes frentes, a cível e a criminal. A parte civil normalmente é dividida em processos de inventário, incluindo testamentos, e de casamento. A que foi mais trabalhada em termos de catálogo, projetos, foi essa parte cível e então a gente ainda tem toda a parte criminal, em larga medida, para ser trabalhada”, explica a professora Magda Ricci.

“A função do Centro de Memória é, também, divulgar o que essas documentações ou esses fundos podem proporcionar. O que a história da Amazônia, a partir desses arquivos, pode oferecer e divulgar para dentro e para fora do Pará e da Amazônia? A potencialidade de cada uma dessas fontes é imensa. Cada um desses documentos é especial porque guarda vidas”.

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