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SEGURANÇA PÚBLICA

Registros de novas armas têm aumento de quase 70% no Pará

Dados da PF são referentes a 2019 e 2020. Decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro aumentam o acesso a armamentos e munições no Brasil, o que é um erro, segundo especialistas na área de segurança pública e políticos

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Imagem ilustrativa da notícia Registros de novas armas têm aumento de quase 70% no Pará camera Jair Bolsonaro editou mais quatro decretos que flexibilizam e aumentam o acesso a armamentos e munições | Ney Marcondes/Arquivo e Brett Hondow Pixbay

Estatísticas da Polícia Federal (PF) mostram que 5.796 novas armas foram registradas no Pará no ano passado, o que representa um aumento de quase 70% em relação aos registros contabilizados em 2019 (3.432). No país, 179.771 novas armas entraram em circulação em 2020, um incremento de 91% em relação aos registros feitos em 2019.

Dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) mostram que em 2020 o número de armas de fogo apreendidas foi de 2.342, em todo o Estado, entre os meses de janeiro a outubro. Já os crimes violentos letais intencionais que englobam homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte cometidos com armas de fogo totalizaram 1.337, de janeiro a dezembro, no Pará.

Contudo, o presidente da República Jair Bolsonaro editou, no último dia 12, mais 4 decretos que flexibilizam e aumentam ainda mais o acesso a armamentos e munições no Brasil (veja no box).

Entre especialistas na área de segurança e médica a constatação é uma só: num momento de segunda onda de pandemia e de novas cepas do coronavírus em vários Estados, ao invés de priorizar a vacinação para a população e estancar as mortes que já beiram as 250 mil pessoas no país; o presidente opta por armar ainda mais a população, favorecendo a violência e as estatísticas de mortes por armas de fogo.

Os decretos não poderiam vir em pior momento ao Pará, que obtém dados importantes de redução da criminalidade e homicídios dolosos. Levantamento nacional realizado pelo Monitor da Violência, do portal de notícias G1, mostra que o Pará foi o Estado que mais reduziu as mortes violentas, que incluem homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Na comparação do período entre janeiro e dezembro de 2019 e 2020, a redução alcançou 19%. Neste período, 543 vidas paraenses foram preservadas.

Os números mostram ainda que o Pará foi o Estado responsável pela maior queda de crimes no Norte, o Estado que mais diminuiu o número de casos, na ordem de 11%. Dados do site jornalístico Pindograma, que detalha a distribuição da violência pelos mapas de nove capitais e do Distrito Federal, mostrou ainda que Belém é a capital entre as citadas que obteve a maior redução no número de homicídios dolosos no País: 52%, o que representa a preservação de 350 vidas.

Henrique Sauma, advogado criminalista, sociólogo, e Mestre em Direitos Fundamentais, diz que não poderia haver momento mais inoportuno para o presidente da República editar tais decretos. “Todo o capital político do governo federal deveria estar voltado para a compra de mais insumos, vacinas e em campanhas de educação para combatermos esse vírus”.

Ele lembra que a segurança pública, de acordo com a Constituição Federal, é uma área compartilhada por todos os entes federativos: União, estados e municípios e Distrito Federal. O Estado, ao longo dos últimos 2 anos, diz, vem se esforçando para combater os homicídios e os crimes violentos no Pará.

“Esse empenho se traduziu em números divulgados nas últimas semanas que mostraram a queda nos índices. Aí vem a União com uma política completamente oposta favorecendo a aquisição de armas de fogo, que favorece a violência, já que o maior acesso a armamentos gera mais ocorrências de mortes violentas”, destaca.

CRIMES

Sauma diz que a circulação de mais armas favorece os crimes dolosos, decorrentes de crimes banais, como os que ocorrem em discussões de trânsito, por exemplo. “Se por um lado temos a redução da criminalidade a nível nacional, temos verificado o aumento da violência doméstica. Um marido armado em casa discutindo com a esposa pode resultar num feminicídio. Sem falar que essas armas legais podem migrar para o tráfico e a milícia, por exemplo”, ressalta.

“A meu ver o interesse do presidente é fortalecer uma espécie de milícia para agir em seu favor em 2022, caso perca a eleição, como ocorreu nos EUA com o ex-presidente Trump. Isso pode ser uma ameaça à democracia e precisamos ficar muito atentos a esses movimentos”, alerta.

PANDEMIA

Para a deputada federal Vivi Reis (Psol), não existe nenhuma justificativa sensata para os decretos de armamento, ”ainda mais em tempos de pandemia, quando os esforços do governo deveriam estar sendo concentrados em ações para intensificar o combate ao novo coronavírus e para reduzir os impactos da crise sanitária e econômica sobre a população”.

Para a parlamentar, esse tipo de política armamentista representa uma inversão de prioridades inaceitável. “Num país que registra mais de 250 mil mortes em decorrência da Covid-19 e faltam leitos hospitalares, oxigênio medicinal e até mesmo vacina para a população, onde milhões de pessoas são atingidas pela queda abrupta da renda com o fim do auxílio emergencial e a crise econômica, é totalmente incoerente que uma das principais pautas do governo seja a flexibilização do acesso às armas”, critica. “Parece uma atitude sob medida para estimular ainda mais o avanço das milícias urbanas e rurais”.

Importante ressaltar que este novo decreto vem se somar a uma série de outras medidas que, inclusive, já estão sendo alvo de questionamento pelo Psol. “Desde o início do seu governo, Bolsonaro já editou outros 4 decretos facilitando o acesso a armas e munições. É preciso interromper essa política genocida que se reflete nas estatísticas nacionais sobre violência. Cerca de 70% dos homicídios cometidos no país foram praticados com armas de fogo, segundo dados do DataSUS”, cita.

Outro aspecto importante a ser destacado, diz Vivi, é que o avanço armamentista no Brasil é especialmente perigoso para as mulheres. De acordo com o último Atlas da Violência, o número de mulheres mortas dentro de casa no Brasil cresceu e boa parte destes feminicídios foi cometida com armas de fogo.

“Estudos internacionais apontam que para cada aumento de 10% no número de armas em circulação, a taxa de assassinatos de mulheres ocorridos dentro de casa cresce 14%. Ou seja, o governo Bolsonaro está armando uma verdadeira bomba relógio pronta para explodir não apenas na forma de violência urbana e rural, mas também de violência doméstica contra mulheres”.

DECRETOS

Fique por dentro das mudanças nos decretos que ampliam o acesso a armas e munições publicados no Diário Oficial da União (DOU) do último dia 12. Os decretos regulamentam a Lei nº 10.826/2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento.

Decreto nº 9.845/2019

Aumento, de quatro para seis, do número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo, como juízes, membros do MP. Das polícias e Forças Armadas

Decreto nº 9.846/2019

Possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica – exigido pela legislação para colecionadores, atiradores e caçadores (CAC’s) – por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes ou entidades de tiro

Permissão para que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército

Elevação, de 1 mil para 2 mil, da quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridos por desportistas por ano

Decreto nº 9.847/2019

Definição de parâmetros para a análise do pedido de concessão de porte de armas, cabendo à autoridade pública levar em consideração as circunstâncias do caso, sobretudo aquelas que demonstrem risco à vida ou integridade física do requerente

Decreto nº 10.030/2019

Dispensa da necessidade de registro junto ao Exército dos comerciantes de armas de pressão (como armas de chumbinho).

REPERCUSSÃO

Para Antônia Salgado, da diretoria da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), a mudança pode estimular a violência não só em Belém, mas em todo o país. “Desde 2018 tivemos um aumento considerável da violência urbana e rural em função também da flexibilização do armamento”, afirma.

A Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil–Seção Pará (OAB-PA) também manifesta preocupação. “Quando se tem uma população com níveis de educação e de desigualdade social com diferenças consideráveis, o processo armamentista abre possibilidade de maiores conflitos interpessoais”, afirma Brenno Miranda, presidente da comissão.

Isso porque, segundo ele, é vendida a ideia de que a população armada vai conseguir se proteger da criminalidade, o que não é verdade. “Se assim fosse, nós não teríamos policiais, tanto civis, quanto militares, sendo vítimas de roubo, de latrocínio”, pondera o advogado.

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