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DENÚNCIA

Documento reforça suspeita de que Sérgio Amorim comprou respiradores fantasmas

Versão de Zenaldo Coutinho informa que equipamentos teriam sido comprados para hospitais e não para pacientes de Covid-19, mas DIÁRIO mostra que não há os ventiladores na relação de bens municipais

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Imagem ilustrativa da notícia Documento reforça suspeita de que Sérgio Amorim comprou respiradores fantasmas camera Operação contra Sérgio Amorim provocou a queda do homem forte de Zenaldo Coutinho | Reprodução

Mais um documento reforça a possibilidade de que os ventiladores pulmonares comprados pela Prefeitura de Belém junto à GM Serviços Comércio e Representação sejam fantasmas. Como você leu no DIÁRIO, a mais recente versão do prefeito Zenaldo Coutinho é que esses respiradores não foram adquiridos em função da pandemia de Covid-19, mas em janeiro deste ano, para a inauguração do Pronto Socorro do Guamá e da UPA da Marambaia. Só que o DIÁRIO encontrou a relação de todos os 312 móveis e equipamentos existentes naquela UPA, em janeiro. E os ventiladores pulmonares dessa relação possuem números de tombamento diferentes daqueles que Zenaldo afirma que a empresa entregou na UPA da Marambaia. Como números de tombamento são registros únicos, legais e imutáveis de cada bem público, não há possibilidade de que se trate dos mesmos equipamentos. Daí a pergunta: onde estão, afinal, os ventiladores da GM Serviços?

Em julho, um documento já levantava suspeitas de que esses respiradores podem não existir, ou se encontrarem em situação tão irregular que não poderiam ter sido comprados pela Prefeitura. Em ofício enviado à Diretoria de Combate à Corrupção (DECOR), da Polícia Civil, a Secretaria de Estado da Fazenda (SEFA) afirmou que não há registro da entrada desses respiradores naquela empresa, e que não há nem como informar se eles ao menos entraram no Pará. E mais: até agora a Prefeitura nem ao menos apresentou uma cópia da guia de importação desses produtos, que são fabricados na China. No entanto, com o cerco se fechando, o prefeito começou a modificar o histórico da transação: apesar das notas fiscais estarem datadas de 31 de março, passou a dizer que tudo ocorreu em janeiro.

Para corroborar essa versão, a Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) enviou ao Ministério Público Estadual (MP-PA) um processo de pagamento, mas com claros indícios de montagem: documentos que conflitam entre eles e até com as informações do GDOC, o sistema informatizado de controle processual da Prefeitura. Quatro desses documentos são os “Termos de Entrega de Material e Equipamento Permanente”, que comprovariam o recebimento desses produtos no Pronto Socorro do Guamá e na UPA da Marambaia. Mas como a pressa é inimiga da perfeição, o “Termo de Entrega” dos ventiladores da UPA estava datado de outubro de 2019, ou seja, era muito anterior à compra desses equipamentos. Para contornar o problema, a SESMA então alegou que tudo não passou do engano de um funcionário, que se esqueceu de “ajustar” a data daquele documento, que era “pré-confeccionado”, e que a data verdadeira da entrega dos ventiladores seria 20 de janeiro deste ano.

QUEDA

O tenente-coronel Geomárcio tentou intimidar equipes da
Polícia Civil durante Operação Quimera
📷 O tenente-coronel Geomárcio tentou intimidar equipes da Polícia Civil durante Operação Quimera |Reprodução

Só que o documento localizado pelo DIÁRIO faz parte até de um contrato também datado de 20 de janeiro. É a “Relação dos Equipamentos e Mobiliários Existentes” na UPA da Marambaia, um documento oficial da própria SESMA. A Relação está anexada ao Processo de Chamamento 01/2019, para a terceirização daquela UPA, e também ao Contrato de Comodato assinado, em 20 de janeiro, pela SESMA, com a ONG que venceu a terceirização e que ficou responsável não só pela manutenção do prédio daquela UPA, mas por todos os equipamentos que estavam lá. Nessa Relação, os 4 ventiladores pulmonares da UPA da Marambaia possuem os números de tombamento 31109, 31110, 31111 e 31112. Já os ventiladores do “Termo de Entrega” do processo de pagamento têm os números 31291, 31292, 31293 e 31294.

O escândalo em torno da compra desses respiradores é um dos maiores enfrentados por Zenaldo Coutinho e já levou até à queda do ex-secretário municipal de Saúde, Sérgio de Amorim Figueiredo, até então homem de confiança do prefeito. Em 9 de outubro, a SESMA e endereços ligados à GM Serviços e a Sérgio Amorim foram alvos da Operação Quimera, da Polícia Civil, que cumpriu mandados de busca e apreensão expedidos pelo juiz Heyder Tavares da Silva Ferreira. Segundo a polícia, a compra desses respiradores e outras transações entre a SESMA e a GM Serviços teriam gerado um prejuízo superior a R$ 1,1 milhão aos cofres públicos. Há suspeitas de corrupção ativa e passiva, fraude licitatória e falsificação de documentos, entre outros crimes. Amorim teve os bens bloqueados pela Justiça e, quatro dias depois da Operação, foi exonerado, a pedido, por Zenaldo. É que o escândalo gerou outro escândalo: a descoberta de que Amorim é cunhado do procurador geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, chefe do MP-PA.

Durante a Operação Quimera, um assessor militar de Gilberto Martins, o tenente-coronel Geomárcio Alves dos Santos, chegou a filmar os policiais que cumpriam um mandado de busca e apreensão na casa da mãe de Amorim, o que levou à abertura de uma investigação pela Corregedoria da Polícia Militar.

MEDO DA PRISÃO

No último domingo (8), com medo de ser preso, Amorim ajuizou um pedido de habeas corpus preventivo, que foi concedido pelo desembargador Rômulo Nunes. O ex-secretário alegou que a “imprensa” noticiara operações policiais que seriam deflagradas na segunda-feira. No entanto, as operações policiais desta semana foram contra outras quadrilhas. Além disso, Amorim pode ter induzido o magistrado a erro: segundo a decisão judicial, a compra desses ventiladores ocorreu em 2019, inexistindo “contemporaneidade” com um eventual mandado de prisão.

Processo de compras feito pela Prefeitura tem claros indícios de montagem

Como você leu nas várias reportagens publicadas pelo DIÁRIO desde junho, Zenaldo comprou esses ventiladores sem licitação e em meio a um mar de irregularidades. Uma das mais graves é a falta de empenho prévio (reserva de dinheiro no orçamento, para pagamento), coisa que a Lei não permite nem em situações emergenciais, como a pandemia. Outra, é a falta de um contrato, que foi substituído por um Termo de Reconhecimento de Dívida (TRD). Não houve nem mesmo um processo de dispensa de licitação. E até recentemente, os únicos documentos de que se tinha notícia dessa transação eram as notas fiscais, emitidas em 31 de março, e as notas de empenho, datadas de 1 de abril, além dos registros do GDOC sobre a existência de um processo de pagamento, de número 8986/2020. E foi esse processo que a SESMA supostamente enviou ao MP-PA.

O problema é que os documentos desse processo não batem entre eles. Aliás, e por incrível que pareça, não batem nem mesmo com os registros on-line do próprio GDOC. Uma das divergências mais gritantes é entre as notas fiscais e os “Termos de Entrega” desses produtos. As notas fiscais dizem que a GM Serviços vendeu à Prefeitura 10 ventiladores pulmonares e 3 monitores multiparâmetros. Já os “Termos de Entrega” atestam o recebimento de 10 monitores multiparâmetros, 2 mesas cirúrgicas mecânicas e 6 ventiladores. Das 2 mesas e dos 7 monitores extras dos “Termos de Entrega” ainda não há notícia de qualquer documento de aquisição. E com o novo documento localizado pelo DIÁRIO, restam apenas 2 ventiladores que podem ter sido entregues, entre os 10 que constam nas notas fiscais.

No processo de pagamento, também chama atenção o ofício 0001/2020, assinado pela dona da GM Serviços, Genny Missora Yamada, no qual ela pede à SESMA a quitação urgente das notas fiscais. Só que o ofício está datado de 30 de março, mas as notas fiscais, das quais ela já sabia até a numeração, só foram emitidas na tarde do dia seguinte, 31. Ainda mais curioso, porém, é que esse suposto processo de pagamento revela uma inacreditável celeridade da SESMA e de qualquer repartição pública. Em 1 de abril, e no espaço de apenas 5 horas, o processo teria passado por pelo menos 4 setores, além de receber, sucessivamente, um parecer de 16 páginas do Núcleo Setorial de Assuntos Jurídicos (NSAJ) e de 8 páginas do Núcleo de Controle Interno (NCI).

O processo teria começado por volta das 9 da manhã, mas já às 14 horas o então secretário municipal de Saúde autorizava a celebração de um Termo de Reconhecimento de Dívida (TRD), para o pagamento das notas fiscais. Após essa autorização, a papelada ainda teria seguido para mais dois setores, totalizando pelo menos 9 despachos, com certidões, declarações, pesquisas em sistemas, pareceres, até que o TRD acabasse assinado, ainda naquele expediente, pelo então secretário de Saúde e pela dona da GM Serviços. Mas além da celeridade, chama atenção o fato de que a movimentação descrita na papelada não bate com os registros on-line do GDOC.

Segundo os papéis, o processo, depois de protocolado, seguiu para a Diretoria Geral da SESMA, que o enviou ao DEAD (Departamento Administrativo e Financeiro), que o encaminhou ao Departamento de Urgência e Emergência (DEUE). Voltou à Diretoria Geral e depois ao DEAD, que o enviou ao NSAJ. Daí seguiu para o NCI, e de lá para o então secretário de Saúde, às 14 horas de 1 de abril. Já o GDOC registra uma história diferente: 3 minutos depois de protocolado, o processo foi enviado ao então secretário de Saúde, que, 20 segundos depois, o encaminhou à Diretoria Geral, onde só chegou às 11:06:42. Não há registro de que tenha retornado ao secretário naquele dia, ou em todo o mês de abril. Além disso, diz o GDOC, a Diretoria Geral só enviou o processo ao DEAD em 2 de abril.

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