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RELATOS

Coronavírus: infectados relembram dias difíceis

O DIÁRIO ouviu duas pessoas que estão entre os primeiros pacientes da doença, que lembram os momentos de sintomas e preconceitos sentidos.

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Imagem ilustrativa da notícia Coronavírus: infectados relembram dias difíceis camera Em Belém, com o aumento dos casos, já é mais comum encontrar pessoas de máscaras pelas ruas. | Olga Leiria

Passados 19 dias depois da confirmação oficial dos primeiros casos do novo Coronavírus no Estado do Pará, já é possível constatar pacientes clinicamente recuperados, mas emocionalmente ainda atordoados por terem superado a indesejável experiência de contrair um vírus que já matou mais de 50 mil pessoas em todo o mundo - 350 delas só no Brasil. O DIÁRIO conversou com dois deles e os relatos, assustadores, trazem em comum o constante temor em contaminar os familiares, a preocupação com a própria saúde e até mesmo situações de preconceito enfrentadas durante o isolamento domiciliar.

Atualização: com mais dois registros, Pará chega a 82 casos de covid-19

O advogado Paulo Bentes, 37, foi o primeiro paraense a ter o diagnóstico de Covid-19 confirmado. Ele relata ter estado no Rio de Janeiro logo após o Carnaval e voltou para Belém em 2 de março. Àquela altura eram poucos casos confirmados, e somente em São Paulo. Com a garganta irritada e 38 graus de febre, ele buscou uma emergência hospitalar da rede privada no dia 8, e de lá saiu com receita de antibiótico. Com indisposição, ele retornou ao hospital no dia 12 e já foi notificado como suspeito. Lá ficou em isolamento, fez exame para a Covid-19, iniciou tratamento para H1N1 e mais antibiótico para o pulmão.

Dois dias depois foi ao Hospital do Coração e continuou em isolamento e medicado. Nos dias 16 e 17 foi negativado para H1N1 e outros vírus respiratórios. No dia 18, quando teve alta hospitalar para seguir em isolamento domiciliar, recebeu o diagnóstico positivo para o novo Coronavírus e uma ligação do governador Helder Barbalho (MDB), que ofereceu solidariedade e todo o apoio necessário. A partir daí, teria que lidar também com uma repercussão inesperada.

“Meus dados pessoais foram ilegalmente divulgados em blogs sensacionalistas. Retiraram fotos de minhas redes sociais que não são públicas, expuseram imagens minhas, de familiares e amigos, e todos fomos vítimas de bullying e discriminação”, lembra. “Por outro lado, recebi e ainda recebo centenas de mensagens de apoio e de orações”, conta. “Recebi uma mensagem de uma desconhecida pelo Instagram me xingando e dizendo que eu era culpado por ter trazido o vírus para o Pará”, lamenta o advogado.

Recuperação

Os dias em casa eram passados inteiramente dentro de um quarto. A esposa e os filhos de Paulo se mudaram para outro prédio, onde permaneceram também isolados. “Recebi apoio da síndica, que flexibilizou a entrega de delivery na porta do meu apartamento, assim como dos meus demais vizinhos. Já no prédio onde minha esposa e filhos ficaram, foram discriminados pelo síndico. Além dela e de meus filhos, meu irmão foi testado negativo. Meus pais não tiveram sintoma”, afirma.

Após o 14º dia de isolamento, ele, que foi acompanhado diariamente a distância por dois médicos, refez os exames que constataram a recuperação. “Graças a Deus, só tive sintomas leves que cessaram logo no início, antes mesmo da alta hospitalar. A internação foi uma precaução, pois não tive em momento nenhuma falta de ar. Iniciei minha quarentena nos primeiros sintomas e depois o isolamento. Não transmiti o vírus para minha família, para colegas de trabalho e nem amigos”, comemora ele, que está em home office com toda a família e auxilia os filhos nas aulas on-line.

O advogado acredita que as medidas de isolamento no Pará estão sendo eficazes, e por isso são poucos os casos em relação ao resto do Brasil. “Creio que estão fazendo o distanciamento social por isso temos números relativamente baixos aqui”, avalia.

Diagnóstico caiu como uma bomba para a família

Também recuperado, o segundo entrevistado, que pediu para não ter identificados nem o nome e nem a cidade onde mora por temer ameaças aos familiares, teve os primeiros sintomas 13 dias depois de voltar da Europa. Inicialmente pensando que fosse uma crise alérgica, não deu muita importância. O alarme soou quando vieram as dores no corpo e os calafrios típicos de febre. Por ter recebido uma visita da irmã, que estava resfriada, achou que não passaria disso, até por não ter sintomas até então considerados quase que obrigatórios: tosse e falta de ar.

Sentiu-se bem no terceiro dia, mas resolveu ligar para um hospital e foi testado no 4º dia de sintomas. “Eu ‘fugi’ do local [na Europa] onde estive por ver que ninguém estava levando a sério a doença, e tudo aconteceu muito rápido”, conta. Nesse traslado, que ocorreu entre fevereiro e março, disse ter notado só algumas pessoas viajando de máscaras. “Eu que usei máscara e álcool em gel o tempo todo, posso ter deixado, em algum momento, algum detalhe despercebido e ter contraído a doença. Até porque o contágio está sendo muito fácil”, analisa.

O paciente admite que recebeu visitas durante o isolamento, e reconhece que tanto ele, quanto os familiares, não acreditaram no início. “A gente achava que os sintomas da Covid-19 fossem algo fora do comum, e na realidade, era igual a uma gripe qualquer. Baixamos a guarda por um momento, até porque demorou cinco dias para sair o resultado do primeiro teste. Sinal de que ninguém estava preparado para uma pandemia”, relata.

“Busquei informações logo quando cheguei, ninguém sabia me responder. Nos aeroportos, procurei por exames e não tinha ninguém para dar suporte. E isso foi no começo do mês de março. Tenho culpa em alguns momentos por ter visto pessoas durante a quarentena, mas eu busquei por ajuda no início. Os testes que faziam só detectavam quando a pessoa tivesse os sintomas. No início, ninguém no Estado fazia teste rápido. Só agora final do mês que está começando a circular”, defende-se.

Medo

O diagnóstico positivo caiu como uma bomba na casa e família entrou em pânico. “Apesar das notícias falarem que é como uma gripe comum, na nossa cabeça só vem a imagem do número de pessoas que estão morrendo. O meu medo nem era mais comigo, mas com as pessoas que tiveram contato comigo. Graças a Deus, toda minha família testou negativo e todos estão bem”, confirma.

O entrevistado foi testado nos últimos dias e já foi constatado que não possui mais a doença. Mas continuará em quarentena pelas próximas semanas, principalmente por causa do preconceito de quem não está conseguindo entender a situação. “Estamos sofrendo com duas coisas: a pandemia e o analfabetismo funcional. Tive problemas para explicar para as pessoas sobre o que é imunidade. A partir do momento que você supera os sintomas, é sinal que seu corpo está conseguindo se defender do vírus a ponto de ficar imune. A maior batalha agora é ter o maior número de pessoas que resistam ao vírus e evitem que mais pessoas sejam contagiadas. Eu só tenho de agradecer a todas pessoas que rezaram por mim e pela minha família. Foram dias difíceis, mas graças a Deus estamos bem”, garante.

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