Até que a bebida chegue ao copo do consumidor, uma série de etapas e monitoramentos compõem o processo de produção das cervejas artesanais, caracterizadas, entre outros aspectos, pela adoção de um processo de produção natural, onde não há a utilização de aditivos químicos. Apesar da nomenclatura, a fabricação da bebida precisa atender às mesmas regras de produção exigidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento também para as cervejas industriais.
Diante da preocupação gerada a partir do caso da cerveja mineira Belorizontina, o DIÁRIO conversou com duas cervejarias artesanais paraenses para entender melhor a cadeia produtiva da bebida.
Desde a primeira etapa da produção – quando o malte já moído é despejado na tina onde, misturado com água, permanecerá de molho - todo o processo de produção da cerveja é desenvolvido por meio de transporte via tubulações interligadas às tinas de aço, sem que haja contato direto do líquido com o meio ambiente. Cada etapa envolve um tempo de produção e monitoramento de temperatura.
No caso do chopp da Amazon Beer, a estrutura de produção pode ser vista pelos consumidores na Estação das Docas, em Belém. Mestre cervejeiro da marca fundada em Belém há 20 anos, Izair Traversin explica que o processo de produção do chopp ocorre sem a utilização de aditivos químicos como estabilizantes ou antioxidantes. Como característica indispensável para que seja considerada artesanal, segundo Izair, a bebida é produzida 100% com malte.
“Esse malte é produzido normalmente na Argentina, Chile, no norte dos Estados Unidos e em alguns países da Europa. De lá eles chegam no Brasil e nós compramos de São Paulo”, explica. “Isso ocorre porque o Brasil produz o suficiente para atender a apenas 6% da demanda nacional de malte”.
Além do malte, o lúpulo e a água compõem os ingredientes necessários para a produção da cerveja. Izair explica que o lúpulo e o malte pilsen são utilizados em todas as cervejas. Já o malte torrado é usado apenas nas cervejas escuras. “Dependendo do tipo de cerveja desejado, o processo dura de 15 a 30 dias”, aponta. “Produzimos 8 tipos de cerveja, no total. A nossa produção é de 20 a 22 mil litros por mês”.
Segundo Izair, toda essa produção é monitorada não apenas pela própria empresa, como pelos órgãos de fiscalização sanitária. Após o caso ocorrido com a cerveja mineira Belorizontina – onde pessoas teriam sido intoxicadas por uma substância identificada como dietilenoglicol após terem consumido essa marca de cerveja -, o mestre cervejeiro aponta que algumas pessoas chegaram a perguntar sobre como funciona o processo de fabricação das cervejas artesanais.
Assim como para os consumidores, ele explica que tal substância apontada pelas investigações, até o momento, como a possível causadora da intoxicação teria como objetivo resfriar a bebida, porém, a mesma não é utilizada na Amazon Beer.
“Usamos somente o álcool 96% diluído com água, que possibilita alcançar uma temperatura de até – 4°, o suficiente para sustentar toda a cadeia”, explica, ao destacar que, ainda assim, o líquido usado no processo de resfriamento não entra em contato com a cerveja em nenhuma etapa do processo (confira o infográfico). “Como usamos somente o álcool 96%, o risco é zero. E, ainda assim, ele não entra em contato com a cerveja”.
Processo
Fazendo uso de praticamente o mesmo processo, a cervejaria artesanal Altamira Beer também utiliza outro produto para a realização do resfriamento necessário. Gerente operacional da empresa fundada há quatro anos na cidade de Altamira, Bruno Ferreira Berbert explica que, da mesma forma, a fábrica não utiliza nenhum aditivo químico para fazer com que a cerveja dure mais.
“Todo o nosso processo é natural: o açúcar é extraído do malte, é colocado no tanque, é fermentado (quando o fermento consome o açúcar e é transformado em álcool), é maturado, retirado o fermento, clarificado e assim envasado”, explica, ao apontar o produto utilizado no processo de resfriamento. “A segunda etapa do trocador de calor é realizada com um produto chamado propilenoglicol, que é específico para a indústria alimentícia e, portanto, é um produto não tóxico para o ser humano”.
Da mesma forma, ao passar pelo aparelho identificado como ‘trocador de temperatura’, o mosto (como é chamada a mistura que resultará na cerveja) produzido não tem contato com o propilenoglicol que circula por dentro das placas de aço em um circuito diferente de onde circula o mosto. (entenda como funciona o trocador de temperatura no infográfico).
Ainda assim, Bruno aponta que são realizados testes em diferentes fases do processo de produção. “Temos um laboratório em que fazemos análises desde a primeira produção no tanque. Após a cerveja pronta fazemos outra verificação para saber se ela pode ir para o mercado”, afirma. “Fora isso fazemos a verificação semanal de todos os tanques para saber se tem alguma perda. Temos todo um cuidado para justamente evitar que possa acontecer alguma coisa, mas, de qualquer maneira, usamos sempre produtos alimentícios que nos dão a segurança de que não dê problema com relação a intoxicação”.
Em dezembro, quando a venda costuma ser maior, a empresa chega a fabricar 20 mil litros de chopp por mês. O processo dura de 20 a 30 dias, a depender do estilo de cerveja desejado. “Produzimos vários estilos de cerveja artesanal e sempre fabricamos algumas cervejas diferentes, como a de cacau, a de chocolate, temos em produção a cerveja de cupuaçu e a de cumaru, bacuri. Mas a que mais sai é a no estilo pilsen”, enumera. “Posso dizer que de 80% a 90% da nossa produção é pilsen”.
292%
É o crescimento percentual registrado nos últimos dez anos em relação ao número de cervejarias em operação no Brasil, de acordo com o Anuário da Cerveja no Brasil, do Ministério de Agricultura.
192
Era o número total de cervejarias em operação no Brasil no ano de 1999.
1.000
Era o número de cervejarias em operação no Brasil em 2019.
Obs.: O cálculo inclui cervejarias de todos os portes (com fabricação própria).
Substância não é usada por 98,5% de 200 cervejarias
Apontado, até o momento, como o possível causador da intoxicação apresentada por pessoas que teriam consumido a cerveja Belorizontina, em Minas Gerais, o dietilenoglicol não é utilizado pela maioria das cervejas artesanais brasileiras. É o que aponta a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva).
A Abracerva realizou um levantamento junto às cervejarias independentes brasileiras para saber quais são os processos de resfriamento utilizados. Segundo a associação, entre as 200 cervejarias que responderam, 87,4% afirmaram utilizar o álcool e 6% disseram usar o propilenoglicol.
Ainda segundo a Abracerva, 5,1% dos entrevistados afirmaram utilizar outros métodos e 1,5% disse usar o etileno glicol, que, segundo a associação, “tem um índice de toxicidade muito inferior ao dietilenoglicol”. Ainda segundo a Abracerva, o dietilenoglicol “pode ser resultado do contato do etileno glicol com qualquer meio ácido. Ambos, tanto o dietilenoglicol como o monoetilenoglicol são tóxicos, mas em quantidades muito diferentes”.
A associação diz que foi expedida recomendação de substituição do componente para esses 1,5% e que foi solicitado à Anvisa e ao Ministério da Agricultura a proibição cautelar do uso de etileno glicol em fábricas de cerveja. O presidente da Abracerva, Carlo Lapolli, explicou que não há diferença entre o processo de autorização e fiscalização de cervejarias artesanais, em comparação às industriais. “É importante salientar que o Ministério da Agricultura homologa uma cervejaria e ela é uma cervejaria - pode ser artesanal ou industrial (de grande porte) - e é a mesma norma, mesmo processo de fiscalização para todas as fábricas”.
Ele explica que para se abrir uma cervejaria é preciso aprovar a documentação, com a devida descrição dos processos, da forma de controle de qualidade, dos procedimentos de limpeza e de envase. “Tudo isso está registrado no Manual de Boas Práticas de Fabricação e o Ministério, depois de aprovar todo esse material por escrito, faz uma vistoria in loco, analisa as instalações e libera essa cervejaria para atuar”.
Processo de Produção
Altamira Beer
1ª ETAPA – Quando o malte chega à fábrica é armazenado e moído apenas quando segue para o processo de fabricação do chopp. Logo que é moído, o malte é adicionado no tanque de mostura, que tem água aquecida de 60° a 65°. A mistura fica no local por 1h30 fazendo o processo de extração do açúcar do malte.
2ª ETAPA - Após esse tempo, por tubulação, a mistura é transferida para o tanque de filtragem, que possui um fundo falso onde o malte moído cai e fica descansando por 20 minutos. Quando o malte já está ‘sentado’ é feita a filtragem.
3ª ETAPA - Após a filtragem, o líquido é transferido, por tubulação, para o tanque de fervura, onde esse mosto fica por 1h.
4ª ETAPA - Após esse processo, o mosto segue por tubulação para o ‘trocador de temperatura’ que funciona em duas etapas. Da mesma forma do explicado no esquema anterior, o ‘trocador de temperatura’ funciona com placas de aço intercaladas, onde cada líquido utilizado se encontra isolado dentro da sua respectiva placa de aço, fazendo com que a cerveja nunca tenha contato com o líquido usado para fazer o resfriamento. A primeira troca de temperatura é feita com a utilização de água natural que faz com que o mosto baixe de 90° para 50°. Após essa, a segunda etapa realizada pela Altamira Beer utiliza como anticongelante um produto chamado propilenoglicol, específico para a indústria alimentícia e não tóxico ao ser humano. Diluído com água, o propilenoglicol passa pelo interior de algumas placas do trocador de temperatura, sem manter contato com o líquido da cerveja. Ele leva o mosto a uma temperatura de 12° a 18°, dependendo do estilo de cerveja produzida.
5ª ETAPA – Essa solução a base de propilenoglicol também serve para baixar a temperatura dos tanques onde ocorre a fermentação, também sem que ele tenha contato com a cerveja. Já no tanque fermentador é adicionado fermento e a fermentação dura 10 dias, em média, e depois o produto passa para a maturação, quando são necessários mais 10 a 20 dias, dependendo da cervejaria.
6ª ETAPA - Após esse processo, a cerveja está pronta para envasar em barril de chopp. E o barril é armazenado em câmara fria até que seja usado para consumo.
Amazon Beer
1ª ETAPA – O malte moído é despejado na tina, onde é adicionada a água a uma temperatura que pode variar de 30° a 100°. Essa mistura fica de molho em torno de 2 horas e meia.
2ª ETAPA – Após esse período a mistura é transportada para outra tina que possui um ‘fundo falso’ que permite a filtragem. A tela separa a parte sólida (composta pelo ‘bagaço’ do malte moído), deixando o líquido que passa a ser chamado de mosto.
3ª ETAPA – O mosto é transferido, via tubulação, para a tina de cozimento para que passe por uma hora de clarificação e mais 90 minutos de fervura. Nesta fase se adiciona o lúpulo.
4ª ETAPA – O mosto segue, por tubulação, para o equipamento ‘trocador de temperatura’ composto por várias ‘placas’ de inox paralelas. Para que ocorra o resfriamento, o mosto - que resultará na cerveja - passa pelo interior de determinada placa de inox e, pelo interior da placa seguinte passa o líquido utilizado para fazer o resfriamento. A sequência se repete algumas vezes, intercalando as placas por onde passa o mosto, com as placas por onde passa o líquido que resfria. Já que cada líquido se encontra isolado dentro da sua respectiva placa, a cerveja nunca tem contato com o líquido usado para fazer o resfriamento. Na primeira etapa, o líquido utilizado para fazer o resfriamento é a própria água em temperatura ambiente. Nesta primeira troca de temperatura, o mosto passa de 100° para 60º em cerca de um minuto. Na segunda etapa é utilizado o líquido de resfriamento (anticongelante). No caso da Amazon Beer, o líquido utilizado para fazer o resfriamento é o álcool 96% diluído com água (solução não tóxica), que possibilita um resfriamento a até - 4°, porém, a temperatura escolhida para o mosto dependerá do tipo de cerveja (15º, 17º, 18º).
5ª ETAPA – Após resfriado, o mosto é transportado por tubulação para os tanques de armazenamento, onde fica fermentando por cerca de 15 a 30 dias (a depender do tipo de cerveja). Para que ocorra a fermentação e maturação, o mosto precisa ser mantido em baixa temperatura, portanto, faz-se uso do líquido anticongelante mais uma vez, sem que ele tenha contato com a cerveja. O tanque de armazenamento tem um formato cilíndrico. Dentro dele, o líquido congelante (álcool 96% diluído com água) passa por dentro de uma serpentina que fica isolada da cerveja por uma chapa de aço de 8 mm de espessura.
6ª ETAPA – Por fim, a cerveja é armazenada em uma câmara fria e está pronta para o consumo em forma de chopp.
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