Há momentos na política internacional em que a sucessão de fatos deixa de soar episódica e passa a formar um enredo contínuo, feito de gestos calculados, recados simbólicos e demonstrações de força. Desde o início deste ano, a relação entre Estados Unidos e Venezuela vem sendo escrita nesse tom de crescente tensão, com o Caribe convertido em vitrine de uma escalada militar que combina discurso de segurança, combate ao narcotráfico, sanções econômicas e disputa de poder regional.
Foi nesse contexto que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou na última segunda-feira (29) que forças americanas realizaram o primeiro ataque em território venezuelano desde o início da ofensiva de pressão contra o governo de Nicolás Maduro, um movimento que aprofunda o conflito entre Washington e Caracas e marca um novo estágio da crise bilateral. Confira a seguir a cronologia da escalada de tensão entre EUA e Venezuela.
CONTEÚDO RELACIONADO
- Zelensky e Trump se encontram para discutir fim da guerra na Ucrânia
- Trump ordena ataque dos EUA contra terroristas do Estado Islâmico na Nigéria
- Em mensagem de Natal, Trump ataca pessoas trans e “esquerda radical”
PONTO DE INFLEXÃO
A chegada de Donald Trump à Casa Branca marcou o ponto de inflexão dessa nova fase. Logo em fevereiro, o governo americano designou oito organizações criminosas como grupos terroristas, entre elas o Tren de Aragua, de origem venezuelana. A decisão teve efeito imediato: abriu caminho para a deportação de centenas de venezuelanos acusados de integrar essas facções, enviados a El Salvador, onde o governo local teria recebido recursos para mantê-los em prisões de segurança máxima. A medida, no entanto, acabou parcialmente revertida após a Suprema Corte dos Estados Unidos determinar a suspensão das deportações com base em uma lei de guerra do século 18.
Quer mais notícias internacionais? Acesse o canal do DOL no WhatsApp.
DEPORTADOS E TROCA DE PRISIONEIROS
Mesmo com o revés judicial, a ofensiva política não arrefeceu. Em março, mais de 200 venezuelanos já haviam sido deportados, enquanto Washington endurecia o discurso contra Caracas. Em julho, um raro gesto de distensão ocorreu com a troca de prisioneiros mediada pelo presidente salvadorenho Nayib Bukele: 252 venezuelanos que estavam detidos no Centro de Confinamento de Terroristas (Cecot) retornaram ao país em troca da libertação de dez cidadãos americanos e de outros presos considerados políticos pelos EUA.
RECOMPENSA DOBRADA
O mês de agosto trouxe nova escalada. Os Estados Unidos dobraram para US$ 50 milhões a recompensa por informações que levassem à prisão de Nicolás Maduro, acusado por Trump de ser “um dos maiores narcotraficantes do mundo”. Poucos dias depois, navios militares americanos foram deslocados para águas do Caribe próximas à costa venezuelana, sob a justificativa de combater o tráfico de drogas vindo da América Latina. A resposta de Caracas foi imediata: Maduro anunciou a mobilização da Milícia Bolivariana e abriu novos alistamentos voluntários.
AÇÃO MILITAR NO CARIBE
A partir de setembro, a tensão deixou de ser apenas retórica e ganhou contornos abertamente militares. Os EUA iniciaram uma série de ataques a embarcações no Caribe, alegando que os barcos transportavam drogas com destino ao território americano e mantinham vínculos com organizações classificadas como terroristas. O primeiro ataque, segundo Trump, matou 11 “narcoterroristas”. Dias depois, novos bombardeios se repetiram, acompanhados do envio de caças F-35 para Porto Rico.
Em sequência, vieram o segundo, o terceiro e outros ataques, sempre com o mesmo argumento: combate ao narcotráfico e às redes ilícitas associadas à Venezuela. Em outubro, um memorando vazado ao Congresso revelou que o governo Trump passou a considerar que os Estados Unidos estavam envolvidos em um “conflito armado não internacional” com cartéis de drogas, classificados como grupos armados não estatais responsáveis por ataques contra o país.
PORTA-AVIÕES NO PACÍFICO
A escalada prosseguiu com uma sucessão quase diária de ofensivas. Ataques no Caribe e, pela primeira vez, no Oceano Pacífico, ampliaram o alcance da operação militar. O envio do porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior navio de guerra do mundo, à região foi interpretado por analistas como um divisor de águas na crise, simbolizando uma presença militar sem precedentes nas proximidades da Venezuela.
OPERAÇÕES SECRETAS EM TERRITÓRIO VENEZUELANA
Paralelamente às ações militares, Washington avançou no campo político e de inteligência. Trump confirmou ter autorizado operações secretas da CIA em território venezuelano e passou a falar publicamente sobre a possibilidade de ações terrestres. Em novembro, o governo americano anunciou que iria designar o Cartel de los Soles como organização terrorista, acusando Maduro e integrantes de seu governo de liderarem o grupo - acusações rechaçadas com veemência por Caracas.
SINAIS AMBÍGUOS
Em meio à escalada, surgiram sinais ambíguos. O jornal New York Times revelou que Trump e Maduro teriam conversado por telefone, discutindo inclusive a possibilidade de um encontro nos Estados Unidos. Oficialmente, a Casa Branca evitou comentar, enquanto o governo venezuelano classificava as ações americanas como "ameaças colonialistas".
FECHAMENTO DO ESPAÇO AÉREO
No final de novembro, os Estados Unidos deram mais um passo ao anunciar o fechamento total do espaço aéreo "sobre e ao redor" da Venezuela, recomendando que cidadãos americanos deixassem o país. Em dezembro, novas sanções atingiram familiares de Maduro e empresas ligadas ao transporte de petróleo, culminando na apreensão de um petroleiro acusado de integrar uma rede ilícita de exportação entre Venezuela e Irã.
BLOQUEIO DE PETROLEIROS
O ápice da ofensiva veio com o anúncio de um bloqueio "total e completo" de todos os petroleiros sancionados que entram e saem da Venezuela. Trump afirmou que o governo Maduro havia sido classificado como organização terrorista estrangeira, acusando-o de terrorismo, tráfico de drogas e de pessoas. Dias depois, caças americanos sobrevoaram áreas próximas a Caracas, enquanto novos bombardeios a embarcações eram confirmados.
Segundo dados divulgados pelo próprio governo dos Estados Unidos, a operação já atingiu mais de 30 embarcações, com ao menos 107 mortos. Um balanço que evidencia que, mais do que uma crise diplomática, a relação entre EUA e Venezuela entrou em um ciclo de confronto direto, cujo desfecho permanece incerto — mas cada vez mais distante da simples troca de acusações.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar