Se você passa algum tempo no TikTok ou no Instagram, provavelmente já se deparou com a frase: “Seu lobo frontal ainda não está totalmente desenvolvido”. A expressão virou uma espécie de justificativa científica para atitudes impulsivas, como exagerar na bebida ou tomar decisões das quais se arrepende depois.
Segundo o artigo escrito pela pós-doutora em neurociência Taylor Snowden, da Université de Montréal, no Canadá, e publicado na plataforma The Conversation Brasil, o lobo frontal é uma das regiões mais importantes do cérebro, responsável por funções de alto nível como planejamento, tomada de decisão, controle emocional e julgamento. Por isso, a noção de que ele ainda está “em obras” durante a juventude soa reconfortante para quem enfrenta a instabilidade típica dos 20 e poucos anos.
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No entanto, a ideia de que o cérebro — especialmente o lobo frontal — para de se desenvolver aos 25 anos é um equívoco amplamente difundido. Embora tenha origem em estudos científicos reais, trata-se de uma simplificação exagerada de um processo muito mais longo e dinâmico.
Pesquisas mais recentes indicam que o desenvolvimento cerebral segue em curso até o início dos 30 anos. Isso muda a forma como a ciência entende a transição para a vida adulta e desmonta a noção de que os 25 anos seriam uma espécie de “linha de chegada” do cérebro.
Mito dos 25 anos
O chamado “número mágico” nasceu a partir de estudos de imagem cerebral feitos entre o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000. Pesquisadores analisaram mudanças na massa cinzenta, parte do cérebro associada ao processamento de informações, e observaram um processo conhecido como poda neural: conexões pouco usadas são eliminadas, enquanto as mais importantes são fortalecidas.
Em um estudo de acompanhamento liderado pelo neurocientista Nitin Gogtay, crianças e adolescentes tiveram seus cérebros examinados a cada dois anos. Os resultados mostraram que, no lobo frontal, as regiões se desenvolvem de trás para frente: áreas mais básicas amadurecem primeiro, enquanto aquelas ligadas à tomada de decisão e ao comportamento social permaneciam imaturas até o fim da adolescência.
Como os exames não avançaram além dos 20 anos, os cientistas não conseguiram definir exatamente quando o processo terminava. A idade de 25 anos acabou sendo adotada como uma estimativa aproximada — e, com o tempo, se consolidou no imaginário popular.
O que dizem os estudos mais recentes
Com o avanço da neurociência, os pesquisadores passaram a olhar não apenas para regiões isoladas, mas para como o cérebro funciona em rede. Estudos mais amplos analisaram a substância branca, responsável por conectar diferentes áreas do cérebro, avaliando a eficiência dessas conexões ao longo da vida.
Uma pesquisa com exames de mais de 4,2 mil pessoas, da infância até os 90 anos, identificou um período crucial de desenvolvimento entre os 9 e os 32 anos, descrito como uma “adolescência cerebral”. Nesse intervalo, o cérebro passa por um intenso equilíbrio entre dois processos:
- Segregação, que organiza áreas especializadas;
- Integração, que cria conexões rápidas entre essas áreas.
Esse sistema só se estabiliza em um padrão considerado “adulto” no início dos 30 anos. A partir daí, o cérebro deixa de priorizar novas conexões e passa a fortalecer os caminhos mais utilizados, consolidando hábitos e padrões de pensamento.
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Como aproveitar esse período
O fato de o cérebro permanecer em desenvolvimento por mais tempo também representa uma oportunidade. Entre a infância e o início dos 30 anos, a neuroplasticidade — capacidade do cérebro de se reorganizar — é especialmente alta.
Atividades como exercícios aeróbicos, aprender novos idiomas, tocar instrumentos ou praticar jogos que exigem raciocínio complexo ajudam a fortalecer essas conexões. Por outro lado, o estresse crônico pode prejudicar esse processo. Ainda assim, especialistas reforçam que nunca é tarde para estimular o cérebro.
Não existe um “botão” que se ativa aos 25 ou mesmo aos 32 anos. O cérebro humano é um projeto em constante construção, que se estende por décadas. Em vez de esperar pelo momento em que tudo estará pronto, a ciência sugere fazer escolhas conscientes ao longo do caminho, entendendo que o “concreto” ainda está secando.
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