Devoção a Nossa Senhora de Nazaré transformou a cidade de Belém

As devoções que se estabelecem no seio da sociedade se configuram para além dos atos de fé, orações e romarias; mas também como uma ferramenta de transformação do espaço urbano. Mais do que impactar a cultura e a identidade, a devoção a Nossa Senhora de Nazaré também causou impactos na expansão urbana de Belém, na medida em que o desenvolvimento urbano da capital paraense levou em consideração o aspecto da devoção, fazendo com que a cidade crescesse e se desenvolvesse em direção ao que hoje é a Basílica Santuário.

Ainda no final do século XVIII, no período colonial, a cidade de Belém ainda estava restrita aos bairros da Cidade Velha e da Campina. Para além desses limites, as demais áreas da cidade ainda eram essencialmente rurais. Um exemplo deste cenário era justamente o caminho que ligava o que era a cidade, hoje o Centro Histórico, até onde se localizava a ermida em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, local que hoje abriga a Basílica Santuário.

O historiador Márcio Neco destaca que, muito influenciado pela devoção a Nossa Senhora de Nazaré criada a partir do achado da Imagem, o processo de expansão urbana de Belém se dará naquela direção da cidade, ao longo do que hoje é a avenida Nazaré. “É possível perceber essa capacidade de transformação urbana, esse impacto que não só o achado da Imagem, mas a forma como essa devoção se desenvolveu, vai trazer. O fluxo dessa devoção ia da cidade, que era a Campina e a Freguesia da Sé, rumo ao interior, que era a área rural onde hoje está a Basílica. E as transformações fizeram com que o Círio, hoje em dia, seja um fluxo do interior para a cidade”.

O professor lembra que a devoção a Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, nasce do espaço rural, mas transforma o espaço urbano com certas expansões. Esse é o primeiro impacto gerado pelo achado da Imagem. “Começa, então, uma devoção em que o centro da cidade ia para o interior, mas a transformação, o impacto que gerou faz agora o interior ir para o centro, naquilo que vai se transformar em referência para a cidade de Belém, que é a Basílica. E o que era Estrada do Utinga e depois Estrada de Nazareth, passa a ser avenida. O que era ermida, passa a ser igreja, depois Basílica e então Santuário. O que era Largo de Nazaré passa a ser praça, que passa a ser Centro Arquitetônico”, exemplifica. “Por este exemplo dá para a gente ver o quanto essa devoção ainda está impactando o espaço urbano da cidade. Até hoje, toda a cidade de Belém, por conta do Círio, ganha avanços tecnológicos, infraestrutura, a cidade adquire uma série de impactos urbanos ou não”.

ELEMENTOS

Mais do que no território que hoje compreende o bairro de Nazaré, os impactos urbanos causados pela devoção à Virgem de Nazaré também se expandem para outros bairros da cidade. E alguns dados interessantes levantados pelo historiador demonstram isso de maneira muito evidente. “Geralmente, as devoções elas conseguem criar impacto e identidade no bairro, mas, em se tratando de Nossa Senhora de Nazaré, isso se expande. E alguns dados interessantes demonstram isso: nós temos uma passagem Nossa Senhora de Nazaré no Umarizal, duas na Marambaia, uma na Cabanagem, uma no Benguí, uma no Parque Verde e uma em Outeiro, fora as que a minha pesquisa ainda não conseguiu atingir”, relaciona Márcio Neco. “Nós vamos ter aquilo que era uma área rural, se transformando em bairro que vai ser denominado justamente por conta dessa devoção, o bairro de Nazaré. E eu vou ter todo um fluxo migratório que vai fazer com que a história do transporte em Belém perpasse por esse referencial”.

Também nas linhas de ônibus, as referências de itinerário muitas vezes informam a passagem pelo bairro de Nazaré. O professor lembra, ainda, que cinemas vão nascer com essa identidade, como foi o caso dos Cinemas Nazaré. No passado também havia teatro, ainda hoje há um grande colégio chamado Colégio Nossa Senhora de Nazaré, já houve supermercados, condomínios, lojas nomeados a partir desta identidade. Elementos que ajudam a compor o cenário urbano em torno da referência de Nazaré, mesmo que não seja a partir de nomes de ruas.

Há uma explicação, uma visão acadêmica do porquê disso. A devoção é um fenômeno social que define o uso desses espaços. O que nós temos na devoção é a concentração de pessoas e isso estimula a criação de toda uma infraestrutura, movimenta o comércio local e acaba gerando a identidade do bairro. E no caso do Círio, em toda a cidade nós temos uma paisagem física e cultural que gira em torno disso”, considera Márcio Neco. “Inúmeros estabelecimentos, magazines vão carregar essa questão da devoção a Nossa Senhora de Nazaré. Então, digamos que ela está presente em todo o espaço urbano, mas de um modo especial no bairro de Nazaré o próprio comércio acaba girando em torno dessa devoção. Nós temos a presença da venda de comidas típicas, temos um pouco da especialização de produtos de artigos religiosos, acho que a gente tem pelo menos uns três ou quatro estabelecimentos no bairro. Então, a gente percebe a dinâmica cultural, o cotidiano do bairro que gira em torno também dessa devoção”.