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OPERAÇÃO MAIS LETAL DA HISTÓRIA

Fotógrafo relata cenário de guerra no Rio: 'Cheiro de morte'

A ação, que o governo do Estado classificou como um “duro golpe na criminalidade”, faz parte da Operação Contenção, um programa permanente de combate à expansão do Comando Vermelho.

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Imagem ilustrativa da notícia Fotógrafo relata cenário de guerra no Rio: 'Cheiro de morte' camera Relato impactante de fotógrafo sobre a megaoperação no Rio de Janeiro que deixou 121 mortos e reacendeu o debate sobre segurança pública. | Tomaz Silva/Agência Brasil

O amanhecer da última terça-feira (28) começou com medo e confusão nas favelas do Complexo do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O que parecia mais um dia comum nas comunidades se transformou, em poucas horas, na operação policial mais letal da história do Brasil, deixando mais de 130 mortos e 113 presos, segundo números das Polícias Civil e Militar.

O relógio marcava 6h da manhã quando o fotógrafo Bruno Itan, nascido em Recife e criado no Complexo do Alemão, foi acordado por mensagens e áudios de pânico nos grupos de moradores. "Os relatos não paravam de chegar. Era tiro para todo lado", disse em entrevista a BBC News Brasil.

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Itan, que atualmente vive na Rocinha e é fundador do projeto Olhar Complexo, que oferece aulas de fotografia gratuitas a jovens de favelas, decidiu voltar à comunidade para registrar o que via. Ao chegar, encontrou carros queimados, marcas de tiros e moradores em desespero.

“Aqui no Brasil não tem pena de morte. Mas ontem, no Alemão e na Penha, existiu a pena de morte. Os policiais decidiram quem iria morrer e quem iria viver”, afirma o fotógrafo.

A operação mais letal da história

A megaoperação envolveu 2,5 mil agentes das forças de segurança do Rio e foi anunciada pelo governador Cláudio Castro (PL) como “a maior ação conjunta já realizada no Estado”. O objetivo, segundo a Secretaria de Segurança, era cumprir dezenas de mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho em uma área de 9 milhões de metros quadrados.

Durante todo o dia, o som dos disparos ecoou pelas comunidades. No início da tarde, o número oficial de mortos já ultrapassava 60 — e cresceria rapidamente. Entre as vítimas estavam quatro policiais, segundo a Polícia Civil.

No Hospital Getúlio Vargas, para onde os corpos eram levados, o cenário descrito por testemunhas e profissionais da saúde era de horror: ambulâncias chegando sem parar e famílias desesperadas em busca de notícias.

Noite de buscas e desespero

Impedida de avançar até a Penha pela barreira policial, a imprensa só conseguiu ter acesso à região por meio de moradores. Bruno Itan, que conhece bem os becos e vielas da comunidade, relatou que as buscas por desaparecidos começaram ainda na madrugada, quando familiares se organizaram para procurar os corpos na Serra da Misericórdia, área de mata entre os dois complexos.

Segundo ele, pelo menos 55 corpos foram levados por moradores para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas.

“Eles foram com carros, motos, lençóis... Trouxeram os corpos porque ninguém mais vinha buscar. Chegaram uns 20 de início, depois 25, 30, 40... não parava. Eram vidas, independentemente do que fizeram”, diz o fotógrafo.

As imagens feitas por Itan mostram corpos espalhados pelas ruas, muitos deles com ferimentos de faca ou mutilações. “Vi corpos sem cabeça, sem braços, sem pernas. Coisas que nunca imaginei ver”, relata.

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Polícia contesta versão dos moradores

A Polícia Civil do Rio informou que vai instaurar um inquérito para investigar a retirada dos corpos feita por moradores, alegando possível “fraude processual”. O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, afirmou que há indícios de manipulação dos cadáveres.

“Temos imagens de corpos que estavam com coletes e armas e depois apareceram só de cueca ou shorts. Parece que houve uma tentativa de encobrir a verdade dos fatos”, disse o delegado.

A declaração causou revolta entre moradores e organizações de direitos humanos, que acusam o governo de tentar descredibilizar as vítimas.

Reação do Ministério Público Federal

Diante da repercussão, o Ministério Público Federal (MPF) determinou, nesta quarta-feira (29), que o Instituto Médico Legal (IML) disponibilize todos os laudos e perícias dos corpos em até 48 horas. O MPF também cobrou que o governo do Rio comprove o cumprimento das regras estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635, que impõe limites à letalidade policial em operações.

Entre os pontos exigidos pelo Supremo estão o uso de câmeras corporais, a presença de ambulâncias durante as ações e a justificativa formal de cada operação.

“Todo mundo perde”

Bruno Itan, que já documentou outras operações trágicas — como a do Jacarezinho, em 2021, com 28 mortos —, diz que nunca viu nada parecido. “Achei que o Jacarezinho fosse o pior, mas nada se compara ao que vi agora”, lamenta.

O fotógrafo afirma que o “cheiro da morte” ficou impregnado na memória e critica o que chama de política de extermínio.

“Fiquei muito impactado com a brutalidade. Vi mães desmaiando, mulheres grávidas chorando, pais revoltados... Eu poderia ser um deles. Se não fosse a fotografia, talvez eu tivesse o mesmo destino.”

Para ele, a violência do Estado nas favelas é sintoma de uma política falida.

“Infelizmente, tudo continua sendo pela mira do fuzil. Nunca é por meio de educação, cultura ou moradia — que é o que a favela precisa para resgatar vidas.”

Cansado e frustrado, Itan resume o sentimento que ficou após a tragédia:

“Se a sociedade acha que venceu, está enganada. Quando morre alguém na favela, todo mundo perde.”

A ação, que o governo do Estado classificou como um “duro golpe na criminalidade”, faz parte da Operação Contenção, um programa permanente de combate à expansão do Comando Vermelho. Mas, para os moradores, ativistas e observadores locais, o que ocorreu foi uma chacina sem precedentes — uma demonstração de força que reacendeu o debate sobre a política de segurança pública e o uso da violência nas favelas.

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