
No silêncio do oceano, há embarcações que navegam quase invisíveis aos radares. Elas não transportam turistas nem pescadores, mas sim toneladas de cocaína em jornadas clandestinas que cruzam o Atlântico. A mais recente dessas viagens foi interrompida no fim de março, quando um submarino com 6,6 toneladas da droga foi apreendido nos Açores, região autônoma de Portugal. A embarcação havia partido de Macapá, no Amapá, e é uma das maiores apreensões desde a década de 1990, quando esse tipo de operação foi identificado pela primeira vez.
Segundo autoridades europeias, o submarino interceptado teria sido construído artesanalmente por um cartel sul-americano. Apesar da aparência improvisada, esses veículos submersíveis contam com engenharia sofisticada. “Faz-se um convés à prova d'água, (com) uma tampa hermética sobre o casco de uma lancha”, explica Gustavo Assi, professor de engenharia naval da Escola Politécnica da USP.
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O casco dessas embarcações é feito com materiais como fibra de vidro, alumínio ou aço. A estrutura inclui motores adaptados, snorkel para ventilação e tanques especialmente ajustados para suportar longas travessias. “Alguns são construídos de forma bem rudimentar, mas pelas imagens que a gente tem visto das apreensões mais recentes, eles estão ficando mais bem equipados, os projetos têm evoluído e eles têm alcançado o destino. Esse foi pego, [mas] nós não sabemos quantos outros que chegam de fato a completar sua missão”, aponta Assi.
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TECNOLOGIA SOFISTICADA
Embora pareçam precários, os submarinos estão longe de serem simples improvisações. “Você precisa laminar fibra de vidro, fazer selos poliméricos e tem que ter um conhecimento de motores, ventilação, de centro de gravidade e de instalações. Não é uma gambiarra”, enfatiza o professor. Para ele, não resta dúvida: “Há conhecimento técnico nítido nos projetos desses submarinos. Eles são construídos a mando dos narcotraficantes, [mas] é óbvio que existem profissionais cooptados pelo tráfico para fazer isso”.
A sofisticação desses projetos tem crescido. Um exemplo é o chamado “Che”, submarino de fibra de vidro interceptado na costa da Galícia em 2019, com 240 cavalos de potência e três tripulantes a bordo. Na ocasião, foram apreendidas três toneladas de cocaína, avaliadas em R$ 700 milhões. O modelo capturado nos Açores neste ano tinha cinco pessoas e quase o dobro de carga.

CAMUFLAGEM E VIAGEM DE UM MÊS
Com pintura escura, como cinza-chumbo, essas embarcações se camuflam melhor ao se aproximarem da costa europeia. A navegação ocorre em “águas rasas”, não mais que um metro abaixo da superfície, sempre com o snorkel exposto para permitir a entrada de ar. “Ele não vai lá nas profundezas e só emerge quando chega na Europa. É um barco que navega debaixo d'água porque não suporta grandes pressões externas”, explica Assi.
A travessia leva cerca de um mês e inclui parada na foz do rio Amazonas para abastecimento. Ao chegar próximo ao destino final, o submarino é propositalmente afundado. Durante a noite, pescadores aliados ao tráfico fazem o resgate da droga submersa.
RISCOS PARA OS TRIPULANTES
Apesar de engenhosos, os narcossubmarinos são armadilhas letais para quem embarca neles. “Você está ali com tanques de combustível dentro de um casco frágil, sem isolamento, então há risco de explosão, de vazamento de diesel”, alerta o professor. A falta de ventilação adequada também expõe os tripulantes a gases tóxicos, intoxicação e asfixia.
As condições internas são precárias: falta espaço, não há sanitários, e o calor do motor torna o ambiente quase insuportável. “Eles têm que fazer as necessidades - defecar, urinar - dentro do lugar onde dormem, onde comem. Há risco de contaminação de alimentos e de alimentos apodrecerem”, afirma.

MISSÃO KAMIKAZE
Com cascos frágeis e baixa visibilidade, qualquer obstáculo pode ser fatal. “Eu vejo como uma missão kamikaze. Quem embarca em um submarino desse, para atravessar o Atlântico em águas rasas e com esse nível de segurança, sabe que tem um risco altíssimo de não completar a viagem”, diz Assi. “O risco para a tripulação é altíssimo, é uma missão suicida. Mas a segurança não é um critério levado em conta, porque as drogas valem mais do que a vida humana nesse caso”.
Apesar dos perigos, o uso desses submarinos tem se expandido. Desde a primeira apreensão, em 1993, até 2009, a Marinha da Colômbia interceptou 33 dessas embarcações — o mesmo número de capturas feito apenas no ano de 2019. Com promessas de pagamento de até US$ 50 mil por viagem, esses veículos continuam sendo vistos como uma saída desesperada por alguns. Entre os brasileiros detidos na mais recente operação, um havia sofrido três infartos e decidiu embarcar para tentar pagar os custos de uma cirurgia.
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