Na rua que inicia de frente para a Pedra do Peixe e segue caminho adentro pelo Centro Comercial de Belém, o cenário encontrado é resultado de intensas transformações vivenciadas ao longo dos séculos de história da formação da capital paraense.

Se nos registros fotográficos do passado era possível ver cada detalhe dos paralelepípedos que formavam o revestimento da rua, diante do intenso movimento de hoje, o asfalto é quase completamente encoberto pela grande quantidade de veículos que circulam diariamente. Mais do que a mudança física da cidade, porém, a Rua 15 de Novembro também marca a memória de uma importante mudança política do passado, a implantação da República.

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Doutor em história e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), o professor Amilson Pinheiro aponta que mesmo antes de receber o atual nome de 15 de Novembro, a rua histórica já detinha uma importância singular para a circulação da cidade de Belém. Não à toa, antes de 1889 a rua recebia o nome de Rua da Imperatriz.

“A 15 de Novembro já era considerada uma das ruas mais importante de Belém naquela época porque ela tinha uma longa história desde a fundação da cidade. Inicialmente, ela chegou a ter o nome de Rua da Praia e depois passou para Rua da Imperatriz”, rememora. “Durante muito tempo ela era um lugar central, era como um cartão de visitas de Belém por estar próxima ao que era o Porto de Belém. Depois vai se desenvolver, nesse lugar, uma importante via comercial”.

O professor lembra que a antiga Rua da Imperatriz e atual 15 de Novembro está situada em uma localização estratégica para a cidade de Belém, ao se considerar que nos séculos XVII, XVIII, XIX e no início do século XX, Belém era formada por duas regiões estratégicas: o bairro da Cidade (hoje Cidade Velha), que seria um lugar mais ligado à questão política, religiosa e militar; e o bairro ligado às atividades comerciais, a Campina.

“Ela era uma rua já muito importante naquele momento para a cidade, para a chegada das pessoas e para as atividades comerciais também. Não é à toa que ela é escolhida para ser a 15 de Novembro”, considera. “Como essa rua tinha um lugar estratégico, escolher ela para receber a data da Proclamação da República era uma forma de prestigiar o novo regime. Então, ela está diretamente relacionada ao final do século XIX, à mudança do regime político”.

Para compreender melhor que mudança foi essa e a relação que essas referências têm com os nomes de ruas e praças de uma cidade, o professor Amilson Pinheiro reforça que a transformação das ruas e o crescimento urbano de Belém passou por uma série de transformações ao longo dos séculos e essas mudanças também refletiam diretamente a vida cultural, social e política da cidade.

Ainda ao longo do século XIX, a partir da Independência em 1822, se constrói uma série de referências à instituição política da monarquia no Brasil, que durou até 1889. Com isso, naquele período, foi esse regime o que marcou mais fortemente a paisagem e a construção de memórias de Belém até a Proclamação da República, quando um novo referencial foi se apresentando.

“Nós tínhamos várias referências a esse poder político, como Rua da Imperatriz, Rua do Imperador, a Rua 02 de dezembro, que era em homenagem à data do nascimento do Imperador Dom Pedro II. Então, isso era a construção de uma memória que pudesse reforçar esse regime político”, aponta o historiador. “No entanto, a partir da segunda metade do século XIX, o Império começa a ruir no Brasil. Um processo de décadas, sobretudo a partir da Guerra do Paraguai, da crise em relação ao Exército, da crise em relação ao fim da escravidão, então, uma série de questões vão fazer com que o Império perca o apoio social e, no dia 15 de Novembro de 1889, nós vamos vivenciar uma espécie de golpe civil-militar que vai resultar na Proclamação da República”.

Apesar do marco temporal do dia 15 de Novembro de 1889, a República não surgiu do dia para a noite. Antes dessa data já havia todo um movimento republicano em várias partes do Brasil. Na segunda metade do século XIX havia uma crítica muito grande à Monarquia e à Escravidão no Brasil, portanto, se criava o cenário para a mudança política de uma Monarquia para a República.

A rua 15 de Novembro hoje em dia, uma das principais vias do comércio de Belém
📷 A rua 15 de Novembro hoje em dia, uma das principais vias do comércio de Belém |Irene Almeida/Diário do Pará

“No final do século XIX está se discutindo muito a questão da modernidade, da civilização, das mudanças e a Monarquia era considerada atrasada. Havia uma crítica muito grande à monarquia e o golpe foi para legitimar um processo que vinha sendo construído, sobretudo, entre as elites. É um movimento político importantíssimo, mas que o povo não participou de fato. Foi um arranjo das elites políticas”, lembra.

“Então, a partir dessa Proclamação da República, essas elites políticas, econômicas e intelectuais precisavam manipular a opinião pública, precisavam criar um imaginário social que pudesse legitimar o novo regime, ou seja, tocar no coração das pessoas através de símbolos, de hinos, bandeira, nome de ruas e praças que pudessem legitimar esse novo regime”.

Foi exatamente neste contexto que, em Belém, a antiga Rua da Imperatriz deu lugar à 15 de Novembro. No caso especificamente de Belém, inclusive, o historiador destaca que a mudança se deu muito rapidamente. “A gente tem documentos que mostram que no dia 18 de novembro de 1889, dias após a Proclamação da República, o Conselho Municipal de Belém, por solicitação de alguns republicanos, autoriza a mudança no nome de algumas ruas. Uma das primeiras mudanças foi exatamente a alteração do nome das ruas da Imperatriz e do Imperador. A Rua do Imperador era onde hoje é a Presidente Vargas”.

Presenciando a referência do dia 15 de Novembro estampada nas atuais placas de identificação da rua, a autônoma Márcia Érika Conceição, 35 anos, faz parte da história mais recente da importante via. Mesmo que o cenário visto hoje seja tão diferente do que já foi anos atrás, para a vendedora que trabalha diariamente ali não é difícil conferir os resquícios de memória que ficaram do passado. “Apesar de todo esse movimento que a gente vê hoje, dá pra ver que tem muita história nessa rua. Tem muitos prédios bonitos e a própria igreja (das Mercês) mostra isso. Muita gente que para aqui pra lanchar, pergunta sobre a igreja”.

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Rua 15 de novembro em 1927 Foto: James Dearden

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