Hugo Gonçalves, autor português, lançou este ano, pela Companhia das Letras, o livro “Mãe”, no qual ele narra o enfrentamento do luto em relação à morte precoce de sua mãe, quando ele tinha apenas 8 anos. Sobre o livro, um importante aviso: esqueça todos os clichês, inclusive (e principalmente) aquele que taxa os portugueses como grosseirões.
Ao longo de quase 200 páginas, acompanhamos Hugo em seu propósito de passar a limpo seu passado, sem atalhos. Um processo que, sem dúvidas, é extremamente doloroso. A obra lembra a linha de um processo terapêutico, não sem razão: de acordo com o autor, grande parte das conclusões trazidas pelo livro não seriam possíveis sem a psicoterapia.
O processo de escrutínio do passado é muitas vezes angustiante e quase sempre satisfatório, mas inquestionavelmente pessoal. Nesse ponto, Hugo não tem receio em mostrar sua via crucis, muito pelo contrário, ele nos convida a participar dela, a compreender como foi para ele superar – dentro do que é possível – o vilão que, por mais que neguemos, em algum momento todos nós iremos encarar: o luto.
Hugo, em “Mãe”, se mostra um autor determinado e cuidadoso. A utilização de referências e alguns dados históricos são apenas alguns dos exemplos que nos mostram a seriedade como tom que perpassa a obra.
Na minha opinião, onde Hugo se destaca como autor é justamente ao trazer uma história tão autobiográfica e íntima sem se deixar levar pelo caminho tão sedutor de fisgar o leitor pelo sentimentalismo. Quando conhecemos o Hugo de 8 anos, por exemplo, ele nos é apresentado pelos olhos e percepções de adultos, seja de familiares, amigos ou do próprio autor.
O leitor é levado, assim, a juntar memórias de outros personagens a fim de obter alguma ordem e sentido nos eventos narrados. Mas, afinal, há algo tão traiçoeiro quando a memória?
Tanto nós como o próprio autor percebemos que nesse reencontro com o passado todas as memórias, sejam elas inventadas ou reais, banais ou específicas, distintas ou correlatas, fazem sentido. E é só após mergulhar nesse mar de lembranças, histórias contadas, objetos antigos e casas habitadas de forma tão profunda que até os pulmões gritam por oxigênio, que o autor ressurge.
Ao invés do que se poderia pensar, o autor não ressurge com um trunfo na mão, a obra pronta e acabada. (eu disse para nos livrarmos dos clichês nas primeiras páginas...). A pergunta não é quem ressurge, mas como. Quem vemos ao final do livro é o resultado do processamento de milhões de fragmentos resgatados do passado como um presente inacabado. O ontem e hoje se mesclam de forma visceral, refletindo a sequência de todos os que já fomos. Hoje Hugo, amanhã Francisco.
O livro nos mostra que o veneno do luto não está na morte, e sim na ausência. Na falta, no verdadeiro buraco que carregamos desde o momento em que “perdemos” alguém. O luto, porém, não se trata de uma fase de recolhimento, com período, data e cores de roupas pré-fixadas. É um processo de reconhecimento da ausência, estancamento da dor e, ao final, da cura do amor.
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