“Nada vai acontecer com você” é o novo romance da escritora carioca Simone Campos, lançado no mês de maio pela Companhia das Letras. A princípio trata-se de um thriller psicológico, um suspense a respeito do desaparecimento de uma das personagens principais: Viviana. Quando ciente da ausência de Viviana, sua irmã Lucinda não mede esforços para encontrá-la. As duas irmãs, apesar de serem em grande parte o oposto uma da outra, se assemelham em diversos pontos por serem mulheres. Enquanto Viviana ocupa um espaço reservado para poucas que se encontram dentro dos padrões de beleza, Lucinda se revela o oposto.
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No entanto, apesar de tão diferentes no aspecto físico ou psicológico, as experiências e características semelhantes são abordadas de forma muito talentosa por Simone Campos. Ao mesmo tempo em que vamos conhecendo cada uma das irmãs, seus gostos, hábitos e comportamentos, uma linha vai as unindo cada vez mais: são mulheres que não se encaixam dentro dos padrões pré-estabelecidos pela sociedade.
De forma brilhante e sutil, Simone Campos nos apresenta o suspense como pano de fundo para nos inquietar sobre pautas extremamente importantes atualmente: violência contra a mulher, questões de gênero, moralismo, feminismo e bissexualidade. A autora inova ainda na estética do romance: é dividido em quatro partes e mescla a narrativa em primeira e terceira pessoa, sem perder o traçado característico de Simone: a assertividade e o destemor em apontar as feridas sociais.
Uma das primeiras descobertas que fazemos das personagens é que as duas irmãs são bissexuais. Vale lembrar que em junho se comemora o mês do orgulho LGBTQIA+, em razão das manifestações ocorridas nos Estados Unidos em meados de 1969. A sigla “B” faz menção justamente aos bissexuais, ou seja, aqueles que apresentam atração afetiva, emocional ou sexual por ambos os gêneros. Não são poucas as críticas levantadas sobre a questão, já que em grande parte os bissexuais são invisibilizados ou tratados como pessoas “em cima do muro”, o que muito dificulta a visibilidade e naturalização desse grupo.
Outro ponto importante levantado pela autora em “Nada vai Acontecer com Você” certamente é a violência praticada contra as mulheres. De acordo com pesquisa feita pelo Datafolha, no Brasil, durante a pandemia uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sido alvo de alguma forma de violência em razão de gênero (seja violência física, psicológica, sexual moral ou patrimonial). Vale lembrar que a violência contra a mulher tem raízes antigas, não consistindo em um problema recente. Além disso, várias atitudes já foram tomadas para coibir a perpetuação dessa forma de violência tão nociva. Dentre elas citamos a conhecida Lei Maria da Penha, sancionada em 2006.
É inegável que a violência contra a mulher é um assunto sensível repleto de “tabus”, daí a importância de o tema ser objeto de um romance literário. Apesar dos altos números apresentados pelas pesquisas, sabe-se que as denúncias ainda são subnotificadas. Isso porque as mulheres podem ser coagidas a não denunciar, com receio de represálias. É importante frisar que a violência contra a mulher também pode se dar de forma coletiva e não apenas individual.
*Vale lembrar que, caso você testemunhe ou seja alvo de alguma forma de violência contra a mulher, há a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), que funciona todos os dias da semana e está disponível 24 horas por dia, destinada à escuta e acolhida às mulheres em situações de violência.
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