De forma inconsciente, sempre associei a leitura de livros distópicos ao sentimento de medo. A incerteza e estabelecimento de novas regras sociais, uma nova conjuntura e o conhecimento de novos arquétipos, me deixavam extremamente insegura. Até que percebi o quão próximo um mundo distópico pode estar em relação ao mundo real.
No livro “1984”, uma das obras mais conhecidas dentro do gênero, o autor George Orwell, por exemplo, nos mostra uma sociedade altamente controlada, vigiada por meio de câmeras e televisões por toda a parte, um verdadeiro “Big Brother”.
Como qualquer pessoa que já leu uma obra-prima, muito me esquivei de ler novas distopias, com receio de decepção. No entanto “A Nossa Alegria Chegou” chegou para a minha alegria. Escrito pela conhecida e premiada autora portuguesa Alexandra Lucas Coelho, o romance tem como trama principal o plano de três amigos em despontar uma revolução.
Alexandra nos leva à Alendabar, cidade controlada por um rei. É nessa cidade que o romance toma forma e mostra o que torna o livro tão especial: a autora sucede em mesclar elementos contemporâneos aos tradicionais de forma similar com o que ocorre com nós mesmos. É exatamente nesse ponto que vemos a distopia tangenciar a realidade, e a ancestralidade e a tecnologia desaguam em um mesmo lugar: o hoje.
Convivemos ao longo do livro, portanto, com línguas e tradições tão antigas que ninguém, nem mesmo os avós, sabem como e quando começaram. Ao mesmo tempo vemos a solidão que, curiosamente, somente as tecnologias criadas para nos aproximar, podem nos proporcionar.
Lançado em maio pela editora Companhia das Letras, o livro se divide em 12 capítulos, uma espécie de contagem regressiva para a revolução. O tema do bem e do mal que se entrelaçam de forma cirúrgica e, ao mesmo tempo, delicada, são objeto de crítica do romance. A autora consegue guiar nosso olhar ao que realmente importa, o amor e a revolução – ambos em suas mais diversas formas – esfumaçando limites pouco importantes ao romance e à história dos personagens.
Percebemos ainda que nada no romance deu-se ao acaso, desde os nomes dos personagens (Atlas, Ursula, Aurora) à escolha dos números cruciais para a narrativa: são três os personagens responsáveis pela revolução, três pirâmides - a representação da trindade que forma uma unidade.
De forma semelhante, a autora nos provoca a refletir sobre questões de extrema complexidade: desde os papéis sociais impostos à figura do homem e da mulher, até as limitações sociais ao fluxo de gênero.
A Companhia das Letras acerta, mais uma vez, com a publicação de “A Nossa Alegria Chegou”, ou, no idioma antigo de Alendabar, Upa-La.
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