plus
plus

Edição do dia

Leia a edição completa grátis
Edição do Dia
Previsão do Tempo 29°
cotação atual R$


home
DAQUI TE ESCREVO

Uma opinião de Merz na COP 30: Belém nunca deitou pra xenofobia

As declarações do chanceler alemão Friedrich Merz chegam recheadas de xenofobia, mas Belém reage. Leia o texto do colunista Anderson Araújo sobre o tema!

twitter Google News
Imagem ilustrativa da notícia Uma opinião de Merz na COP 30: Belém nunca deitou pra xenofobia camera Friedrich Merz, chanceler da Alemanha | ​Foto: Reprodução/Instagram

Daria pra começar com um trocadilho com o sobrenome do chanceler alemão Friedrich Merz, mas vamos evitar e focar na fala desastrosa que abriu os portais da xenofobia, pasmem, de brasileiros concordando com o representante do governo da Alemanha.

Não dá pra ignorar que o debate sobre a escolha de Belém como sede da COP 30 está tomado, desde o anúncio do presidente Lula, pela polarização entre a esquerda e a ultradireita no Brasil. Nessa guerra, os argumentos direitistas se baseiam na defesa de que a capital do Pará não teria condições de sediar um evento dessa envergadura.

Boa parte dessa ladainha veio disfarçada de preocupação com a “imagem do Brasil lá fora”, tendo índices de saneamento básico e quantidade de “favelas” na capital paraense como base para essa suposta incapacidade de recepcionar a Conferência.

Tudo sob o verniz da boa urbanização nas capitais e da relevante opinião estrangeira sobre a imagem do Brasil, sem levar em conta que esses indicadores são reflexo de um país que cresceu de forma desigual entre as regiões e passou décadas ignorando e se omitindo quanto às demandas dos estados do Norte.

Mas até aí, nada de novo.

Quando Lula se propôs a trazer a COP 30 a Belém e investir R$ 6 bilhões na capital, resultando em mais de 30 obras que transformaram a cidade, incluindo ações necessárias em saneamento e habitação, aqueles que descredibilizam a capital como centro do debate climático mantiveram o discurso.

“Belém não pode ser a sede por falta de estrutura”, eles insistiram.

É um raciocínio, no mínimo, curioso.

Você reclama da falta de estrutura da cidade, mas, se há investimento e oportunidade para superar os problemas, você reclama ainda mais. Critica tanto que a crítica faz cair a máscara da boa intenção e revela um ódio gratuito que se transforma rapidamente em comentários xenofóbicos, classistas e racistas – até porque xenofobia e racismo são filhos da mesma mãe: a ideia de superioridade.

Quando Merz (não complete) insinuou grosseiramente que ficou contente de sair “daquele lugar”, imediatamente essa fala remeteu ao que foi a Alemanha e seu devaneio de superioridade durante a Segunda Guerra. Um conceito nefasto que, na origem, impõe primeiro a violência simbólica e depois a real, uma mancha caríssima à história alemã e que se irmana com outra mancha tão danosa quanto na história do Brasil, com a escravidão que nos envergonha (pelo menos às pessoas decentes) até hoje.

Já seria um incidente vexaminoso para a diplomacia, mas as redes escalaram essa fala entre os brasileiros que estavam contra Belém como sede da COP 30. Engrossaram o coro dessa xenofobia germânica e importada, compraram sem pudor a discriminação. E, de novo, trouxeram o velho roteiro de cuidados com a imagem do Brasil para depois atacar a cidade, agora ajudados por uma voz internacional.

Todo mundo sabe que essa preocupação com Belém, vindo de parte de quem vem, é apenas uma alavanca pra destilar o ódio, um ódio antigo, com tantas crostas quanto argumentos falaciosos para justificá-lo.

Um desses argumentos está pautado no velho colonialismo, que permeia o discurso do chanceler e se encontra com o de uma torcedora do Avaí, que surge nas redes em um vídeo despejando ofensas racistas contra um torcedor do Clube do Remo em um estádio em Santa Catarina.

Parecem dois eventos isolados, mas não são.

Pra ilustrar e explicar o ranço colonial, chamo o africano Achille Mbembe, no seu já clássico “Necropolítica”, que trata das relações de poder que descambaram em políticas de extermínio postas no nosso século. Ao abordar a invasão europeia a outros continentes no século XV, ele afirma que, aos olhos do conquistador, os colonizados integravam a chamada “vida selvagem”, que seria apenas outra forma de “vida animal”, de tal forma que, “quando os europeus os massacraram, de alguma forma não tinham consciência de que haviam cometido assassinato”.

Mbembe coloca em sua reflexão que essa visão colonial rebaixa o colonizado à condição inferior, no caso, à dos animais. Animais que podem ser destruídos e mortos pelo colonizador branco e europeu – e, trazendo para o contexto atual, pelo brasileiro que acredita estar mais alinhado ao chanceler da Alemanha do que com seus compatriotas do Pará. Para eles, somos menores, estamos submetidos à violência simbólica, à xenofobia, à exclusão do que é o Brasil.

A outra argumentação que sustenta o ódio que Belém vem recebendo com a COP 30 está relacionada ao ideário da classe média brasileira. Nesse classismo verde e amarelo, o pobre também é visto como sujeito menor, sem subjetividade ou direitos. Nessa preconcepção, Belém se transfigura em uma grossa metáfora da pobreza e precisaria se manter de joelhos, esperando esmolas, caridade, benevolência de quem a detesta.

É uma cidade-coitada, digna de pena, diriam.

Pra quem conhece Belém, e o espírito belenense, sabe muito bem que esse papel não combina, não cabe. A nossa força, a força de Belém, reside numa identidade altiva, por vezes exibida, e nada reverente. Uma subjetividade que não se curva e sabe seu valor. Quem espera que Belém se rebaixe, seja passiva, se cale e se enquadre na posição de pedinte, vai esperar sentado.

Ninguém nega que, por anos, a cidade padeceu por falta de investimento público e com gestões desastrosas. A consequência dessas mazelas é, de fato, uma cidade que cresceu com grandes problemas, com uma população insatisfeita e, em grande medida, empobrecida e vulnerável. Uma metrópole com desequilíbrios do tamanho de seus rios, com a complexidade de suas florestas do entorno.

Porém, ao largo dessas questões, a capital paraense nunca deixou de cultivar suas reais riquezas, que se expressam nas mais variadas formas, desde a cultura popular até expressões de arte mais eruditas, passando pela gastronomia e seus modos de vida na urbe. São esses tesouros que transformaram Belém em uma cidade singular, muito diferente de outras capitais, muito díspar do que os xenofóbicos acreditam que seja o Brasil, baseados no mito e no modelo europeu.

Manter essa identidade custou muito e veio pelas mãos da inteligência local, muito calcada nas origens caboclas, negras e indígenas, tudo que o Sul Maravilha renega e quer fingir que não existe nem é.

Estamos, sim, encarando nossos problemas e tentando melhorar no que pode ser melhorado. E não é porque ainda precisamos evoluir que vamos tolerar o intolerável desrespeito de quem acredita ser superior; não vamos aceitar discursos xenofóbicos ou de ódio gratuito, mal disfarçado de um cuidado que nunca existiu.

Vamos continuar com nossos narizes largos empinados, com nosso orgulho por uma identidade estranha à ideia de um Brasil limitado a São Paulo e ao Rio. Essa mesma identidade genuína que cativa os que por aqui chegam de coração aberto, forjada numa cultura ancestral com seus saberes e sabores únicos e suas tecnologias incompreensíveis a quem se recusa a reconhecer que o Norte, a Amazônia, é muito mais que cenário para discussões burocráticas globais, e guarda a solução que o mundo espera como salvação dessa catástrofe climática, que só não é maior do que a intolerância e o ódio pelo que se considera diferente, o que se enxerga como “outro”.

VEM SEGUIR OS CANAIS DO DOL!

Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.

tags

Quer receber mais notícias como essa?

Cadastre seu email e comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Conteúdo Relacionado

0 Comentário(s)

plus

    Mais em Anderson Araújo

    Leia mais notícias de Anderson Araújo. Clique aqui!

    Últimas Notícias