A popularização dos aplicativos de transporte de passageiros em todo o mundo acabou por desferir um golpe em uma das categorias mais tradicionais de trabalhadores: a dos taxistas. No Estado do Pará, a realidade não é diferente da mundial: queda significativa na renda mensal e adaptação praticamente imediata a descontos e outras vantagens no sentido de garantir competitividade.

Ainda assim, quem insiste em oferecer o serviço garante que a vontade por parte dos motoristas não é a extinção de empresas como Uber ou 99, e sim de regulamentação relacionada a taxação e tarifação que torne mais justa a disputa pela escolha do cliente.

“Foi um divisor. Uns pararam, outros entraram em depressão, outros perderam os carros para o banco por não conseguirem mais pagar”, relata o diretor de imprensa do Sindicato dos Taxistas do Município de Belém no Estado do Pará (Stabepa), Francisco Neto, membro da Cooperativa dos Taxistas da Praça Eneida de Moraes (Cotapem) há 20 anos.

Ele conta que os associados praticam descontos que variam de 15% a 20% em cada corrida para conseguir manter uma renda que não passa da metade do que conseguiam antes desses “apps” surgirem. Do total de 45 funcionários que trabalhavam na sede da Cotapem, só ficaram 12.

Dos mais de cem cooperados, restou só a metade. Benefícios como plano de saúde garantido aos motoristas foi um dos cortes necessários para que a entidade não desaparecesse.

A fidelização com o público de mais idade e mulheres que temem situações de agressão por motoristas é o foco desse grupo. Com base nisso, a famosa bandeira 2 durante todo o mês de dezembro foi suspensa - embora considerada legal para o período. “Só usamos no período normal, que é a partir das 20h até a manhã seguinte. Ouvi de muitos passageiros que era uma forma de respeitar a preferência de quem usa táxi”, relata Neto.

A queda nos rendimentos afetou também a qualidade da frota em todo o Estado, segundo o Stabepa. “Pretendemos ter um aplicativo só para táxis mas não podemos reduzir os valores cobrados, porque é uma cobrança definida pelo (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) Inmetro, nossa taxação é diferenciada. O taxista passa por 14 órgãos públicos e três órgãos vistoriadores diferentes todo ano para trabalhar”, explica.

Presidente da Águia Rádio Taxi, de Belém, e membro da Rádio Taxi Ananindeua, o motorista Sérgio Galvão é taxista há 38 anos e afirma que sabe de colegas que já deram até 30% de desconto para conseguir rodar. “Mas não é rotineiro, até porque temos um preço fixado que não podemos nem aumentar e nem diminuir. Hoje em dia só quem é de cooperativa continua, porque essa concorrência é desleal”, afirma.

Ele já foi a Brasília (DF) por mais de uma vez com um grupo tentar sensibilizar a bancada federal paraense no Congresso Nacional a votar pelas modificações na legislação que regulamenta a atividade dos motoristas de aplicativo, aprovada em 2018.

Atendimento

Enquanto isso não ocorre, Sérgio também foca no atendimento personalizado para manter o dinheiro entrando. “O que restou para nós hoje são corridas que custam até R$ 10, ou de gente que já é cliente, senhoras principalmente, que não confiam em usar esse tipo de modal, procuram taxista com histórico, relacionamento, vínculo. Única forma que temos é investir na qualidade no atendimento e manter uma frota razoável”, detalha.

Galvão defende o serviço prestado, e afirma que onde o táxi vai, nem sempre o aplicativo chega. “Peça um Uber no Icuí, em Ananindeua, à noite. Não vão. Se chega na porta do supermercado e vê que a pessoa está com compras, cancela. Aí chamam o táxi. Uma corrida que custa R$ 50 em dia normal, também vai custar R$ 50 no dia do Natal. Pelo aplicativo, vai para R$ 120”, comenta.

Presidente da CooperDuque, Dário Souza viu parte da clientela voltar quando os cooperados se renderam aos descontos diferenciados, tanto para pagamento em dinheiro quanto para pagamento em cartão. “Foi uma das mudanças que fizemos quando sentimos o revés causado pelos aplicativos”, afirma. O investimento em carros monitorados e garantia de entrega de objetos esquecidos durante as viagens também fazem a diferença na carta de clientes.

“São 20 anos, tem credibilidade, pessoal confia, já devolvemos até notebook esquecido”, destaca. Com call center, aplicativo próprio e contato via WhatsApp, é este último o queridinho dos que contam com os serviços da cooperativa. “O próximo passo é investir em um programa de fidelidade e outras ações voltadas à confiança”, antecipa.

“Eu sempre gostei muito do que faço”

Muito antes da criação dos aplicativos, há mais de uma década, o taxista Raul Leal já fazia questão de oferecer alguns “mimos” nos carros que dirigiu e dirige. Começou com bombons, e hoje ele salva até quem passa pelo “apuro” de sair de casa sem carregador de telefone celular.

“Nunca teve nada a ver com competitividade, eu sempre gostei muito do que faço, então eu queria algo a mais, para agradar”, explica. No carro, é possível também ter acesso à internet e admirar um mural com belas fotos físicas da capital paraense, que ele gentilmente presenteia os passageiros, em especial os de fora.

Hoje ele é credenciado à rede de taxistas de um shopping center de Belém, e conta com uma carta fidelizada de clientes, composta principalmente por quem tem ainda o pé atrás com a nova tecnologia. Mas assim como outros colegas, também tem suas estratégias para conseguir ter a preferência do passageiro em relação ao uso do aplicativo. “Todo motorista sentiu no bolso a chegada do aplicativo. É como se a gente vendesse tacacá numa rua e de repente todo mundo resolvesse vender também”, compara.

Sérgio Galvão. Foto: Wagner Santana/Diário do Pará

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