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LUTA SEM FIM

Aborto legal ainda é difícil e PL representa mais retrocesso

Leis antiquadas e problemas práticos em serviços de saúde, de segurança pública e de Justiça são pedras no caminho para mulheres acessarem direitos fundamentais. Advogadas explicam entraves autais e históricos.

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Imagem ilustrativa da notícia Aborto legal ainda é difícil e PL representa mais retrocesso camera Gabrielle Maués, Advogada e Presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB/PA). | Divulgação/Arquivo Pessoal

A aprovação ou não do Projeto de Lei do Aborto permanece no centro dos debates, por atravessar diversos contextos sociais e políticos. Sob aspectos da legislação brasileira e como problema de saúde pública que persiste e ecoa sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, defensoras dos diretos da mulher apontam retrocessos expostos na proposta, mas não só: problemas que o Estado brasileiro insiste em ignorar quando o tema é direito reprodutivo.

Em 1940, o Código Penal determinou a prática de aborto como crime, sendo apenas permitido nos seguintes casos: violência sexual (estupro) e risco de morte para a gestante. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a mulher pode interromper a gravidez em caso de anencefalia fetal, quando o feto se forma com cérebro subdesenvolvido e crânio incompleto. Nas demais situações, o aborto é considerado crime com pena prevista de 1 a 3 anos de detenção.

Apesar de garantido por lei, o acesso ao aborto legal ainda é difícil, até mesmo nos casos mais graves, como, por exemplo, para uma vítima de violência sexual. Segundo a advogada e presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), Gabrielle Maués, a luta é grande para que esse direito seja posto em prática.

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    “A lei prevê que não precisa, por exemplo, de registro policial ou de qualquer coisa nesse sentido para ter acesso ao abortamento legal nessas três hipóteses, mas o que a gente vê, na prática, é uma dificuldade de conseguir. Geralmente o hospital exige, sim, pelo menos um boletim de ocorrência e um mínimo de indício de que houve um crime para poder fazer o procedimento”, diz.

    Em território paraense, o único hospital que oferece esse serviço, de forma gratuita por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e nos termos legais, é a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. No entanto, a realidade traz à tona uma grande demanda, já que o Estado comporta 144 municípios.

    Situação é pior para mulheres negras

    Acessar um direito garantido por lei é ainda mais difícil para mulheres negras. O último levantamento feito pela Pesquisa Nacional do Aborto, realizada nos anos de 2016, 2019 e 202, mostra que mulheres negras têm 46% mais chances de fazer um aborto em relação às mulheres brancas. Essa desproporção, fruto do racismo instaurado, gera consequências práticas na saúde dessas mulheres, como ressalta a Gabrielle.


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    A própria constituição (de 1988) é violada. Afeta o direito à saúde, à dignidade, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, afeta o princípio do Estado Laico, porque o Estado não pode se orientar por crenças religiosas. Então, é um verdadeiro retrocesso. Também afronta os dados do anuário [Anuário Brasileiro de Segurança Pública] e de pesquisas que mostram que essa questão do estupro incide muito mais sobre crianças e meninas negras.

    Gabrielle Maués,, Presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da OAB-PA
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    “A perspectiva racial é fundamental porque a maioria das internações por aborto são de mulheres e meninas negras e grande maioria das gestantes grávidas abaixo de 14 anos são meninas negras também. Criminalizar isso [aborto] vai dificultar ainda mais o acesso a meninas que já vulnerabilizadas socialmente", pontua.

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    Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança, que reúne os dados das Secretarias de Segurança Pública estaduais, em 2022 e 2023, houve recorde de estupro no Brasil e mais da metade desses casos, com crianças de até 14 anos. Muitas dessas situações acontecem de maneira silenciosa, onde mulheres, meninas e crianças que foram vítimas de estupro, encontram barreiras no acesso ao direito garantido por lei.

    Retrocesso nos direitos fundamentais da mulher

    O novo Projeto de Lei nº 1904/2024, o PL do Aborto, tem como proposta criminalizar mulheres que praticarem aborto após a 22ª semana de gestação, inclusive nos casos de gravidez por estupro. Com isso, a legislação prevê uma pena de seis a vinte anos de reclusão.

    Um dos efeitos do práticos que pode ocorrer, caso o projeto vá adiante e seja transformado em lei, é o de impedir que vítimas de violência sexual acesse os serviços de abortamento legal por medo de sofrer penalidades, constrangimentos e até mesmo denúncias.

    A proposta fere princípios básicos relacionados aos direitos das mulheres no país e tenta igualar o aborto ao homicídio. Dentre os pontos mais criticados, é que as penalidades previstas para quem realizar o procedimento podem ser até maiores do que a dos agressores, reforçando, portanto, a "cultura do estupro". O PL vai na contramão de dados que evidenciam os prejuízos políticos e sociais e versa sobre o público que é atingido por ele. A advogada ressalta que o PL destrói direitos garantidos na Constituição Federal de 1988.

    “Primeiro, porque nós estamos falando de um direito garantido desde 1940. Segundo, porque ignora vários princípios. A própria constituição (de 1988) é violada. Afeta o direito à saúde, à dignidade, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, afeta o princípio do Estado Laico, porque o Estado não pode se orientar por crenças religiosas. Então, é um verdadeiro retrocesso. Também afronta os dados do anuário [Anuário Brasileiro de Segurança Pública] e de pesquisas que mostram que essa questão do estupro incide muito mais sobre crianças e meninas negras. Então vai afetar também essa população, acentuando a desigualdade social”, conclui.

    O desafio de garantir o direito das mulheres na prática

    O Estado é um ponto fundamental na garantia dessa prerrogativa, avalia a advogada e Presidente da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica - Comissão Pará (ABMCJ/PA), Natasha Vasconcelos. Ela diz que a elaboração e implementação das políticas públicas no âmbito da garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres deve ser amplificado.

    “A forma mais eficaz de garantir esse direito é a ampliação da rede de atendimento e acolhimento de mulheres e gestantes que recorrem ao serviço de abortamento, sobretudo nos casos de gestação avançada, além de uma ampla e permanente campanha de conscientização sobre direitos sexuais e reprodutivos”, analisa.

    Natasha Vasconcelos, Advogada e Presidente da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica - Comissão Pará (ABMJ/PA).
    📷 Natasha Vasconcelos, Advogada e Presidente da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica - Comissão Pará (ABMJ/PA). |Divulgação/Arquivo Pessoal

    Natasha complementa que, para além disso, é necessário que o Estado reconheça a falta de informações e a negação dos direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres. Somente com essa admissão do problema é possível seguir para uma solução, a de criar plataformas que viabilizem o acesso a dados sobre abortamento. O caminho é longo para garantir o acesso à saúde reprodutiva de qualidade, ao parto humanizado e ao tratamento da fertilidade, como também o alcance fácil a métodos contraceptivos, ao direito de escolher a quantidade de filhos que deseja e o procedimento de esterilização, dentre outros.

    Em 2021, 151 mil mulheres foram internadas em virtude de realização de aborto, do legal ao clandestino. Natasha esclarece que o método de abortamento a que mulheres são submetidas estão defasadas. “Essas mulheres são submetidas em sua maioria à prática da curetagem. De acordo com o Data SUS, essas internações representam 90% dos casos das unidades hospitalares, contabilizando 50 mortes e um custo de R$ 34 milhões para o SUS”, afirma.

    Equipe Dol Especiais:

    • Repórter: Letícia Corrêa
    • Coordenação e edição: Anderson Araújo

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